quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A ÉTICA NA VIDA CRISTÃ

Tiago e a "Lei"


A Ética na Vida Cristã


Por Douglas Ward
Traduzido por: César B. Rien



Introdução


O Livro de Tiago foi por muito tempo considerado um dos livros mais controvertidos do Novo Testamento, quanto a sua aceitação no cânone. Devido a um conflito percebido com as cartas de Paulo, e o primeiro desfavor de Martinho Lutero, sua posição como um livro canônico era discutida já na Reforma Protestante no século 16. Mesmo através da maior parte da era moderna Tiago foi examinado com suspeita. Seria justo dizer que o consenso dos eruditos viu Tiago como um dos textos tardios e o mais sem-importância de todos os do Novo Testamento. Foi visto como um texto judaico-palestino que foi posteriormente cristianizado e incorporado ao cânone. Alguns até foram mais longe, ao afirmarem sobre Tiago: "o documento inteiro necessita de continuidade no pensamento."1 Mesmo aqueles que encontraram alguma continuidade dentro das suas palavras tinham pouco uso para Tiago. A sua forte ênfase na conduta moral e palavras de louvor para a necessidade de boas obras levou Martinho Lutero a chamá-lo "uma epístola de palha," e levou ele e outros a considerá-lo faltando de qualquer maneira com o padrão de outros textos do Novo Testamento.


Ainda, Tiago está recebendo um recente reavivamento e interesse entre os eruditos do Novo Testamento, porque aquele consenso acerca do livro está sendo posto em dúvida agora. Alguns estudos recentes estão demonstrando que em vez de ser um dos livros tardios, Tiago é um dos primeiros livros do Novo Testamento. A maneira como Tiago lembra as palavras de Jesus é surpreendentemente semelhante ao que é considerado nos três primeiros Evangelhos, especialmente no Evangelho de Mateus. Esta semelhança leva alguns a colocarem a escrita de Tiago entre 65-75 AD, fazendo-o contemporâneo de Mateus e Lucas.


Ao mesmo tempo, o caráter judaico de Tiago também está sendo posto em dúvida. Se Tiago fosse originalmente um texto judaico-palestino que tivesse sido cristianizado, então se esperaria uma tradução grega áspera de um primitivo texto aramaico ou hebraico. Não é isso o que está presente em Tiago. Um estudo recente sustenta que o grego de Tiago é intrincado e complexo, e carrega as marcas de uma obra original. É também importante notar que, quando o autor de Tiago cita a Escritura, é a tradução grega (a Septuaginta) do segundo século antes de Cristo que é citada, não uma versão em hebraico ou aramaico. Todos estes traços apontam para um texto original cristão, escrito num estilo grego competente.2


A Lei, Paulo, e Tiago


Ninguém pode abordar o tópico da "lei" em Tiago sem primeiro despachar algumas concepções erradas sobre o livro, nas quais as igrejas protestantes acreditaram durante a maior parte da sua história. Essas concepções errôneas jorram abundantemente de uma tensão percebida entre Tiago e Paulo que datam do nascimento do pensamento protestante, com Martinho Lutero e João Calvino.


Admitir uma leitura superficial do texto demonstra o potencial para existir tal tensão. Paulo afirma em Gálatas 3:6 (citando Gênesis 15:6) que "Abraão creu em Deus, e isso foi-lhe imputado para justiça." Isto parece contrastar com Tiago 2:21: " não foi por obras que o nosso pai Abraão foi justificado?" Além disso, enquanto Paulo confiantemente afirma que "um homem é justificado não pelas obras da Lei, mas pela fé/na fé de Jesus Cristo" (Gál. 2:16), Tiago3 aparentemente o contraria com "uma pessoa é justificada por obras, e não por fé somente" (Tiago 2:24).


Também, uma má compreensão comum do conceito de "Lei" do Velho Testamento, que persistiu desde o tempo de Agostinho no quarto século AD, contribui para as concepções errôneas. Agostinho, treinado na lei romana, supôs que a idéia de Torá do Velho Testamento (Heb: "instrução") fosse idêntica ao conceito romano de lei. Isso parece ser apoiado pelo fato que os escritores gregos do Novo Testamento traduziram o Torá hebraico, "instrução," pelo termo grego nomos, "lei." Neste pano de fundo, "lei" tornou-se o paradigma governante para fazer a teologia cristã, rejeitando o suposto legalismo do Velho Testamento, bem como pelo modo de ver a atividade de Deus em Cristo em termos legais (o pagamento da penalidade, etc.).


Esta perspectiva foi basicamente adotada pelos Reformadores, especialmente Martinho Lutero e João Calvino. De fato, esta concepção errônea da compreensão de Torá do Velho Testamento contribuiu em parte para a dificuldade que os Reformadores tinham na distinção entre a sua própria luta com a legalística "justiça pelas obras" do séc. 16 e a perspectiva bíblica de Torá como resposta fiel à Graça de Deus (ver Torá como Santidade: a "Lei" do Velho Testamento como Resposta à Graça Divina). Era fácil para eles ver no Novo Testamento a luta entre o legalismo do Velho Testamento e a graça do Novo Testamento com a principal questão da Salvação pelas obras ou a Salvação pela fé, porque era essa a luta que eles empreendiam no seu próprio contexto histórico. Por isso, foi fácil para Lutero, por exemplo, ver e enfatizar não só as diferenças entre o Velho Testamento (lei) e o Novo Testamento (graça), mas também entre a perspectiva de Paulo vista em termos de graça e a perspectiva de Tiago vista em termos de exigência legal.


Ainda, o leitor seria enganado se parasse neste ponto da conversação intertextual, já que há uma lista muito mais impressionante de semelhanças entre os dois textos. Paulo e Tiago aceitam que a "lei" ainda deve ser guardada de alguma maneira (Gál. 5:3, Tiago 2:10). Paulo e Tiago, além disso, concordam sobre a necessidade de traduzir a identidade cristã num comportamento moral consistente (Efé. 2:10, Tia. 1:16), comportamento que é chamado "lei" em Tiago. A unidade de Deus é proeminente em ambos os autores (Tiago 2:19, Gál. 3:28), e numa semelhança atordoante ambos os autores reivindicam especificamente que ser "um herdeiro do Reino" está ligado à promessa de Deus (Gál. 3:29, Tia. 2:5). O mais importante para esta discussão é que ambos os autores fundamentam a responsabilidade dos cristãos nas palavras de Jesus citadas da Torá, Levítico 19:18, "amarás ao teu próximo como a ti mesmo."


Numa outra nota interessante, quando cada autor é forçado a responder à questão mais urgente das suas respectivas comunidades, tanto Paulo como Tiago imediatamente retornam ao exemplo de Abraão e Isaque no Monte Moriá (Tia. 2, Gál. 4, Rom. 8, referindo-se a Gênesis 22). Longe de existir uma tensão, as vastas semelhanças que estes autores compartilham sugerem uma abordagem comum aos assuntos e às necessidades da jovem comunidade cristã.


Qualquer diferença percebida entre Tiago e Paulo resulta da maneira pela qual eles se referem a Abraão, e as questões claramente separadas às quais cada escritor se dirigia dentro do seu próprio contexto particular. Devido à influência de Lutero e do primitivo protestantismo, muita interpretação do Novo Testamento nos tempos modernos concentrou-se no familiar argumento da "fé" versus "obras", que era de vital importância para Lutero no seu próprio contexto. Contudo, a recente erudição mostrou definitivamente que esse não era o assunto de Paulo nem de Tiago.


Quando Paulo fala das "obras da lei", ele não está argumentando contra pessoas que estão tentando ganhar seu caminho para o céu, ou de alguma maneira tentando qualificar-se para a vida eterna praticando boas obras. Para Paulo, as "obras da lei" (Gál. 2:16, 3:2, 5) eram marcadores divisionais que definiam e restringiam a comunidade da fé. Elas eram aquelas práticas que definiam o que significava ser judeu, e assim um filho de Deus, por exemplo: circuncisão, regulações dietéticas, observância do Sábado, etc. O conceito de Torá do Velho Testamento, expresso como "lei" e o "espírito da lei" (p. ex., 2ª Cor. 3:6, Rom. 8:2-4), era então um conceito positivo para Paulo, um modo de exprimir os resultados contínuos de ser o Povo de Deus e de exprimir a Graça de Deus que eles tinham experimentado. Esse era o conceito fundamental de Torá que se iniciou com o Sinai.4


O problema nas comunidades paulinas não consistia em que havia judeus que faziam boas obras para ganhar a designação "filho de Deus". Mais que isso, havia judeus e gentios que restringiam esta designação só àqueles que se submetiam a essas práticas judaicas. Em outras palavras, eles aceitavam como Povo de Deus só aqueles que obedeciam todas as provisões da Lei do Velho Testamento estritamente concebida como ações corretas à parte do motivo. O resultado consistia em que a bênção dada a Abraão, que estava destinada a toda humanidade, ficava fundamentalmente restringida somente aos judeus. Isso, por sua vez, fazia de Deus um Deus de judeus somente, e não um Deus de toda a Criação (Rom. 3:28-29). Paulo argumenta contra esse ponto. Ele afirma que não são aqueles que observam os rituais e as exigências da Lei (os descendentes biológicos de Isaque) que são uma parte da comunidade, mas todos aqueles que têm a fé em ou a fé de Cristo (os descendentes espirituais de Jesus Cristo; cf. Rom. 9:8-26).


A importância disso não pode ser superestimada na interpretação das Es-crituras. Paulo está discutindo sobre quem pode ser aceito na comunidade, e não contra a realização de boas obras. Se ficar demonstrado que esse é o ponto principal de Paulo, então qualquer concepção de que Tiago está contra Paulo cai por terra também. Assim, em vez de um texto que de alguma maneira argumenta contra as cartas de Paulo, Tiago responde a um conjunto de questões diferentes daquele de Paulo. Enquanto Paulo responde à pergunta: "quem é parte da comunidade da fé?" Tiago responde à pergunta: "como então a fé deve ser vivida?" Como Paulo, Tiago retorna a Abraão e à Torá do Velho Testamento para responder a esta questão básica.


Paulo usa Abraão para demonstrar que a promessa de Deus existia antes da Lei e da circuncisão, em outras palavras, antes de uma particular expressão religiosa judaica da Aliança que era importante para os fariseus. Tiago usa Abraão para mostrar que a fé que foi recompensada e creditada como justiça era uma fé que exemplificava suprema obediência à Voz de Deus, e como ela funcionava nas ações do viver a vida. Esta obediência demonstrada pela resposta fiel na vida era a prova da fé de Abraão, e Deus renovou Sua Aliança com Abraão por causa da sua obediência, tão imperfeita como as suas ações eram de vez em quando (ver A Jornada de Fé de Abraão). Com esta obediência em mente, Tiago então redefine a Torá, a "lei", como sendo a maneira pela qual um cristão deve viver, não somente quanto às realizações, mas quanto ao motivo do coração. Tal como no Velho Testamento, Tiago viu a Torá ou a externalização da "lei" de Deus na obediência não como um meio de ganhar a salvação, mas para exemplificar e completar a sua recém-encontrada fé em Cristo. A "lei" então não é um conjunto de mandamentos que se opõem à fé, mas a "lei" torna-se uma expressão apropriada da fé (ver Torá como Santidade).


A Carta de Tiago


Tiago escreveu na forma básica de uma carta, que pode ser melhor descrita como um tipo de literatura moral antiga chamada parênese [gr. paraenesis]. Esse tipo de literatura procura ensinar o material tradicional, estimular o compromisso a um estilo de vida específico, e afirmar a imitação de um modelo prescrito de bom comportamento. Este bom comportamento é estimulado pelo uso de diretivas curtas, "faça isto/evite aquilo." Embora esta forma seja usada para ensinar a conduta estabelecida, muitas vezes pode dirigir-se a um grupo contracultural e marginalizado para desafiar a opinião prevalecente da sociedade mais ampla. Esse parece ser o caso em Tiago, e as instruções são para os recém-chegados à crença em Cristo.


O claro assunto de Tiago é o comportamento e as ações dos leitores. O autor não deseja discutir o conteúdo da Escritura ou debater teologia. O seu assunto são as ações daqueles que possuem fé. Isso é evidente em 1:22, onde os leitores são incitados a tornar-se muito mais do que apenas ouvintes, mas praticantes da Palavra também.


O uso que Tiago faz do termo "Palavra" é interessante. Isso lembra o chamado feito à nação de Israel para ser fiel à "Palavra do Senhor". Somente que agora essa "Palavra" está localizada dentro da pessoa de Jesus Cristo. Embora o conteúdo desta "Palavra" seja chamado "lei" por Tiago, ele é agudamente diferente de qualquer conotação legal de Torá do Velho Testamento.


Portanto, não deve surpreender o leitor ver que a "lei" em Tiago foi transformada da interpretação estritamente legal dos fariseus de Torá e da primitiva interpretação de Martinho Lutero, cujo ponto de vista igualmente no sentido forense via os fariseus como representando adequadamente a perspectiva do Velho Testamento. Tiago estabelece um padrão fundamentado nas palavras de Cristo, que recupera a intenção da Torá do Velho Testamento como uma resposta jovial em gratidão à bondade de Deus.5 Quando Tiago pela primeira vez se refere à lei, ele a chama "a lei perfeita que dá a liberdade" (1:25, 2:12).


Ainda mais impressionante, Tiago a chama de “lei real" em 2:8. Não se deve perder a importância desta designação, no versículo oito. Esta lei real que deve ser guardada é encontrada na Torá, Levítico 19:18: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo". No entanto, ela não é chamada de lei real em Levítico, de modo que a designação deve ser proveniente de outra fonte. É claro que ela brota de uma conexão destas palavras com Jesus. Quando confrontado, em Mateus 22:34-40, com a questão sobre a identidade do maior mandamento, Jesus respondeu com este texto de Levítico, e o acompanha com a citação de Deuteronômio 6:5, ambos os textos se originam a partir do coração da Torá. É evidente que estas palavras eram lembradas, e estavam tão intimamente ligadas ao Reino de Cristo que Tiago pode chamá-las de “lei real”. No entanto, em Tiago, a lei real tem comparação com as palavras de Jesus a partir apenas de Levítico 19:18: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo."


Correndo o risco de levar a um ponto muito distante, a linguagem de Tiago poderia dar ao leitor uma idéia de quão estreitamente Tiago deseja ligar Jesus com estas palavras. Enquanto Levítico 19:18 é identificado como Escritura em Tiago 2:8, o autor não implora aos leitores para guardarem a Escritura, mas, ao invés, para guardarem a “palavra” em 1:22-25. Esta linguagem pode servir para apontar os leitores para histórias ou para coleções das palavras de Jesus que eram familiares aos ouvidos desses cristãos do primeiro século. Então, esta “palavra” ou “lei real” era algo diferente para esta comunidade da fé do que era para os judeus que não seguiam a Cristo. Uma mudança drástica tinha alterado a forma como esta comunidade olhava para a lei, em contraste com a forma que era popular entre os fariseus do primeiro século. Os crentes lembravam como Jesus havia acusado os fariseus de ensinar a Torah erroneamente (Mat. 23), mas para eles ela era a lei da liberdade (Tiago 2:12) e uma fonte de alegria, como havia sido celebrado no Velho Testamento (Salmo 119). Ela não julgava aqueles a quem afetava, mas concedia misericórdia (2:13, cf. Salmo 19:7-14). Como agora vamos ver, essa lei real estava fortemente unida à vida de Jesus Cristo.


Aos acostumados a ver Tiago como uma obra tardia, pode ser surpreendente observar os paralelos entre Tiago e as palavras de Jesus dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos, Lucas). É possível ver uma coleção de referências a Jesus em Tiago. O contraste do tratamento aos ricos e aos pobres em Tiago 2:3 é um paralelo com Lucas 16:19. As palavras de Tiago 2:5 brotam diretamente das Bem-aventuranças em Mateus 5:3. Sua escolha do pobre ser rico na fé, no mesmo verso, lembra a oferta da viúva pobre em Lucas 21:1-4. Esta ligação com os Evangelhos continua em 2:6, onde Tiago adverte contra a opressão dos pobres pelos ricos. Este tema ecoa o tema de Jesus em Mateus 23:1-7. Este padrão encontra seu clímax em 2:8-13 com a "lei real" de Mateus 22. É importante ver como este padrão de comportamento para a comunidade está tão estreitamente ligado agora à vida de Cristo.


Um dos aspectos mais intrigantes do tratamento de Tiago à lei é como ele pode ligar favoritismo com assassinato e adultério no capítulo 2. Ainda, se lembrar-mos dos ensinos de Jesus nos Evangelhos este aparente salto é, na verdade, uma progressão natural. Em Lucas 16:14-17, Jesus Se dirige aos fariseus acerca do adultério imediatamente antes de contar a história do Rico e Lázaro. Mais importante é a história do Jovem Rico, em Mateus 19:16-30. Quando Jesus enumera os mandamentos que devem ser obedecidos, Mateus é o único que registra Jesus acrescentando "amarás ao teu próximo como a ti mesmo" após as proibições contra assassinato, adultério, e posição. O jovem se afasta de Jesus com tristeza por causa da sua incapacidade de usar a riqueza adequadamente. Esta luta com a riqueza e a disparidade entre os ricos e os pobres parece ser um dos problemas principais dentro da comunidade à qual Tiago está se dirigindo. Parece que Tiago está lembrando estas palavras de Jesus a partir do contexto dos mandamentos que eles devem seguir, e inclui o problema do favoritismo pelos ricos ao explicar a lei. Mais uma vez, a "lei" está sendo reconsiderada pela comunidade à luz da vida de Cristo e Sua própria situação singular [Jesus era pobre aos olhos dos homens e, ao mesmo tempo, era o Senhor de todas as riquezas]. Neste sentido, Tiago está recuperando o sentido de Torá do Velho Testamento, porque ela contém as exigências éticas para se viver sendo o Povo de Deus no mundo, em resposta à obra transformadora de Deus através de Jesus.


Estes paralelos com os Evangelhos Sinóticos, e especialmente com Mateus, são vistos em todas as partes de Tiago. Tiago 3:18 faz o leitor lembrar de Mateus 5:9-10. Tiago 4:11 e sua advertência contra o julgar aos outros é um paralelo com Mat. 7:1-2. Mesmo Tiago 4:13 parece muito com Mateus 6:25-34. Isto é ainda inesperado. Neste livro, muito duvidado, que muitas vezes era considerado um dos últimos livros da Bíblia a ser escrito, podemos ver uma vibrante recoleção dos ensinos de Jesus. Isso está bem longe de ser um livro carregado "de perspectivas" legais sobre as obras de justiça, que muitos têm desprezado por séculos. Ao contrário, Tiago pode ser visto como cuidadosamente trabalhando a teologia que repousa sobre as palavras de Jesus, e em muitas formas age como um companheiro dos Evangelhos.


É esta reconsideração da lei que faz Tiago tão sem-igual entre os livros da parte posterior do Novo Testamento. O autor não descreve um sistema no qual as obras, ou as boas ações, permitem à humanidade vir a Cristo, mas um estilo de vida onde a obediência afirma e demonstra o conteúdo da fé que nós temos. Embora Abraão tivesse fé e cresse em Deus, foi seu ato supremo de obediência que reafirmou a Aliança que Deus havia iniciado. Tiago 2:20-24 apresenta este ato obediente como um exemplo para os crentes. Agora, os crentes podem demonstrar o conteúdo da sua fé através do comportamento. Em Tiago, os crentes não demonstram a fé somente através da piedade pessoal interior e convicção própria, mas através das relações corretas dentro e através da comunidade da fé. Isso é resumido na "lei real" de 2:8: "amarás ao teu próximo como a ti mesmo" (cf. Paulo em Rom. 13:8). Tiago lembra sua comunidade que o comportamento que demonstra fé é o comportamento que é obediente a Deus e eleva espiritualmente ao próximo. Igualmente, o comportamento que é obediente a Deus (amarás ao Senhor teu Deus…) e eleva o próximo (amarás ao próximo…) é o comportamento que demonstra o conteúdo da fé de uma pessoa.


Da mesma maneira que nas cartas de Paulo, Tiago não cria uma competição onde a fé luta contra as boas ações como um princípio para salvação. Tiago usa Abraão para demonstrar que uma fé sem ações não ganha a aprovação de Deus. É uma coisa como se Abraão dissesse que crê em Deus, e então continuasse a viver como se não crêsse. Seria o contrário de obedecer a Deus e levar seu único filho ao topo do Moriá. Esta obediência era necessária para a fé ser efetiva, completa, e para confirmar a Aliança. Em 2:22-23, Tiago lembra seus leitores que por causa deste ato de obediência Abraão foi considerado amigo de Deus. A obediência perpetua o relacionamento [com Deus – Rom. 1:5]. A carta de Tiago deveria ser vista como uma descrição desses comportamentos que completam a fé e, mais adiante, completam o relacionamento com Deus. Esse comportamento não ganha a salvação, mas é um exemplo da lei da liberdade que busca a comunidade e traz a paz para dentro da igreja.


Conclusão


Como nas cartas de Paulo, a "lei" é importante em Tiago. Ela deve ser guardada de alguma maneira e ainda é o padrão para o comportamento humano. No entanto, essa não é a lei de Martinho Lutero através da qual alguém tenta ganhar a salvação. Melhor que isso, a lei em Tiago é o padrão de comportamento que melhor exemplifica a fé e a faz completa, uma recuperação do conceito de Torá do Velho Testamento redefinida à luz da nova obra de Deus em Jesus Cristo. Longe de ser somente um padrão de piedade individual e pessoal, esta lei em Tiago é expressada dentro e por meio da comunidade. Aqueles que possuem fé devem agir e tratar-se uns aos outros da maneira que Jesus descreveu. Nisto,nós somos praticantes da Palavra, e experimentamos a lei que traz liberdade.


Obs.: A explicação entre colchetes foi suprida pelo tradutor.


-Douglas Ward, Copyright © 2009, Douglas Ward and CRI/Voice, Institute


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1. Martin Dibelius, James, (Hermeneia: 1964) 2.
2. Para um exame mais detalhado desta nova perspectiva em Tiago, veja o impressionante volume de Luke Timothy Johnson, The Letter of James, AB 37A (New York: Doubleday; 1995).
3. Eu uso "Tiago" para simplesmente me referir ao autor de Tiago, e não para discutir que o autor é Tiago. Para os argumentos relativos à autoria de Tiago, por favor veja Luke Timothy Johnson, The Letter of James, AB 37A (New York: Doubleday; 1995).
4. "A polêmica do Novo Testamento contra a lei como meio de salvação é dirigida, não contra o Velho Testamento, mas contra interpretações erradas sobre a lei no primeiro século, também prevalecente hoje." Terence Fretheim, Exodus, Interpretation Commentary (John Knox 1991), 223.
5. Para um tratamento completo do que é chamado "a nova perspectiva sobre Paulo" veja James D. G. Dunn, The Theology of Paul the Apostle, (Grand Rapids: Eerdmans,1998), 354-359.