quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A ÉTICA NA VIDA CRISTÃ

Tiago e a "Lei"


A Ética na Vida Cristã


Por Douglas Ward
Traduzido por: César B. Rien



Introdução


O Livro de Tiago foi por muito tempo considerado um dos livros mais controvertidos do Novo Testamento, quanto a sua aceitação no cânone. Devido a um conflito percebido com as cartas de Paulo, e o primeiro desfavor de Martinho Lutero, sua posição como um livro canônico era discutida já na Reforma Protestante no século 16. Mesmo através da maior parte da era moderna Tiago foi examinado com suspeita. Seria justo dizer que o consenso dos eruditos viu Tiago como um dos textos tardios e o mais sem-importância de todos os do Novo Testamento. Foi visto como um texto judaico-palestino que foi posteriormente cristianizado e incorporado ao cânone. Alguns até foram mais longe, ao afirmarem sobre Tiago: "o documento inteiro necessita de continuidade no pensamento."1 Mesmo aqueles que encontraram alguma continuidade dentro das suas palavras tinham pouco uso para Tiago. A sua forte ênfase na conduta moral e palavras de louvor para a necessidade de boas obras levou Martinho Lutero a chamá-lo "uma epístola de palha," e levou ele e outros a considerá-lo faltando de qualquer maneira com o padrão de outros textos do Novo Testamento.


Ainda, Tiago está recebendo um recente reavivamento e interesse entre os eruditos do Novo Testamento, porque aquele consenso acerca do livro está sendo posto em dúvida agora. Alguns estudos recentes estão demonstrando que em vez de ser um dos livros tardios, Tiago é um dos primeiros livros do Novo Testamento. A maneira como Tiago lembra as palavras de Jesus é surpreendentemente semelhante ao que é considerado nos três primeiros Evangelhos, especialmente no Evangelho de Mateus. Esta semelhança leva alguns a colocarem a escrita de Tiago entre 65-75 AD, fazendo-o contemporâneo de Mateus e Lucas.


Ao mesmo tempo, o caráter judaico de Tiago também está sendo posto em dúvida. Se Tiago fosse originalmente um texto judaico-palestino que tivesse sido cristianizado, então se esperaria uma tradução grega áspera de um primitivo texto aramaico ou hebraico. Não é isso o que está presente em Tiago. Um estudo recente sustenta que o grego de Tiago é intrincado e complexo, e carrega as marcas de uma obra original. É também importante notar que, quando o autor de Tiago cita a Escritura, é a tradução grega (a Septuaginta) do segundo século antes de Cristo que é citada, não uma versão em hebraico ou aramaico. Todos estes traços apontam para um texto original cristão, escrito num estilo grego competente.2


A Lei, Paulo, e Tiago


Ninguém pode abordar o tópico da "lei" em Tiago sem primeiro despachar algumas concepções erradas sobre o livro, nas quais as igrejas protestantes acreditaram durante a maior parte da sua história. Essas concepções errôneas jorram abundantemente de uma tensão percebida entre Tiago e Paulo que datam do nascimento do pensamento protestante, com Martinho Lutero e João Calvino.


Admitir uma leitura superficial do texto demonstra o potencial para existir tal tensão. Paulo afirma em Gálatas 3:6 (citando Gênesis 15:6) que "Abraão creu em Deus, e isso foi-lhe imputado para justiça." Isto parece contrastar com Tiago 2:21: " não foi por obras que o nosso pai Abraão foi justificado?" Além disso, enquanto Paulo confiantemente afirma que "um homem é justificado não pelas obras da Lei, mas pela fé/na fé de Jesus Cristo" (Gál. 2:16), Tiago3 aparentemente o contraria com "uma pessoa é justificada por obras, e não por fé somente" (Tiago 2:24).


Também, uma má compreensão comum do conceito de "Lei" do Velho Testamento, que persistiu desde o tempo de Agostinho no quarto século AD, contribui para as concepções errôneas. Agostinho, treinado na lei romana, supôs que a idéia de Torá do Velho Testamento (Heb: "instrução") fosse idêntica ao conceito romano de lei. Isso parece ser apoiado pelo fato que os escritores gregos do Novo Testamento traduziram o Torá hebraico, "instrução," pelo termo grego nomos, "lei." Neste pano de fundo, "lei" tornou-se o paradigma governante para fazer a teologia cristã, rejeitando o suposto legalismo do Velho Testamento, bem como pelo modo de ver a atividade de Deus em Cristo em termos legais (o pagamento da penalidade, etc.).


Esta perspectiva foi basicamente adotada pelos Reformadores, especialmente Martinho Lutero e João Calvino. De fato, esta concepção errônea da compreensão de Torá do Velho Testamento contribuiu em parte para a dificuldade que os Reformadores tinham na distinção entre a sua própria luta com a legalística "justiça pelas obras" do séc. 16 e a perspectiva bíblica de Torá como resposta fiel à Graça de Deus (ver Torá como Santidade: a "Lei" do Velho Testamento como Resposta à Graça Divina). Era fácil para eles ver no Novo Testamento a luta entre o legalismo do Velho Testamento e a graça do Novo Testamento com a principal questão da Salvação pelas obras ou a Salvação pela fé, porque era essa a luta que eles empreendiam no seu próprio contexto histórico. Por isso, foi fácil para Lutero, por exemplo, ver e enfatizar não só as diferenças entre o Velho Testamento (lei) e o Novo Testamento (graça), mas também entre a perspectiva de Paulo vista em termos de graça e a perspectiva de Tiago vista em termos de exigência legal.


Ainda, o leitor seria enganado se parasse neste ponto da conversação intertextual, já que há uma lista muito mais impressionante de semelhanças entre os dois textos. Paulo e Tiago aceitam que a "lei" ainda deve ser guardada de alguma maneira (Gál. 5:3, Tiago 2:10). Paulo e Tiago, além disso, concordam sobre a necessidade de traduzir a identidade cristã num comportamento moral consistente (Efé. 2:10, Tia. 1:16), comportamento que é chamado "lei" em Tiago. A unidade de Deus é proeminente em ambos os autores (Tiago 2:19, Gál. 3:28), e numa semelhança atordoante ambos os autores reivindicam especificamente que ser "um herdeiro do Reino" está ligado à promessa de Deus (Gál. 3:29, Tia. 2:5). O mais importante para esta discussão é que ambos os autores fundamentam a responsabilidade dos cristãos nas palavras de Jesus citadas da Torá, Levítico 19:18, "amarás ao teu próximo como a ti mesmo."


Numa outra nota interessante, quando cada autor é forçado a responder à questão mais urgente das suas respectivas comunidades, tanto Paulo como Tiago imediatamente retornam ao exemplo de Abraão e Isaque no Monte Moriá (Tia. 2, Gál. 4, Rom. 8, referindo-se a Gênesis 22). Longe de existir uma tensão, as vastas semelhanças que estes autores compartilham sugerem uma abordagem comum aos assuntos e às necessidades da jovem comunidade cristã.


Qualquer diferença percebida entre Tiago e Paulo resulta da maneira pela qual eles se referem a Abraão, e as questões claramente separadas às quais cada escritor se dirigia dentro do seu próprio contexto particular. Devido à influência de Lutero e do primitivo protestantismo, muita interpretação do Novo Testamento nos tempos modernos concentrou-se no familiar argumento da "fé" versus "obras", que era de vital importância para Lutero no seu próprio contexto. Contudo, a recente erudição mostrou definitivamente que esse não era o assunto de Paulo nem de Tiago.


Quando Paulo fala das "obras da lei", ele não está argumentando contra pessoas que estão tentando ganhar seu caminho para o céu, ou de alguma maneira tentando qualificar-se para a vida eterna praticando boas obras. Para Paulo, as "obras da lei" (Gál. 2:16, 3:2, 5) eram marcadores divisionais que definiam e restringiam a comunidade da fé. Elas eram aquelas práticas que definiam o que significava ser judeu, e assim um filho de Deus, por exemplo: circuncisão, regulações dietéticas, observância do Sábado, etc. O conceito de Torá do Velho Testamento, expresso como "lei" e o "espírito da lei" (p. ex., 2ª Cor. 3:6, Rom. 8:2-4), era então um conceito positivo para Paulo, um modo de exprimir os resultados contínuos de ser o Povo de Deus e de exprimir a Graça de Deus que eles tinham experimentado. Esse era o conceito fundamental de Torá que se iniciou com o Sinai.4


O problema nas comunidades paulinas não consistia em que havia judeus que faziam boas obras para ganhar a designação "filho de Deus". Mais que isso, havia judeus e gentios que restringiam esta designação só àqueles que se submetiam a essas práticas judaicas. Em outras palavras, eles aceitavam como Povo de Deus só aqueles que obedeciam todas as provisões da Lei do Velho Testamento estritamente concebida como ações corretas à parte do motivo. O resultado consistia em que a bênção dada a Abraão, que estava destinada a toda humanidade, ficava fundamentalmente restringida somente aos judeus. Isso, por sua vez, fazia de Deus um Deus de judeus somente, e não um Deus de toda a Criação (Rom. 3:28-29). Paulo argumenta contra esse ponto. Ele afirma que não são aqueles que observam os rituais e as exigências da Lei (os descendentes biológicos de Isaque) que são uma parte da comunidade, mas todos aqueles que têm a fé em ou a fé de Cristo (os descendentes espirituais de Jesus Cristo; cf. Rom. 9:8-26).


A importância disso não pode ser superestimada na interpretação das Es-crituras. Paulo está discutindo sobre quem pode ser aceito na comunidade, e não contra a realização de boas obras. Se ficar demonstrado que esse é o ponto principal de Paulo, então qualquer concepção de que Tiago está contra Paulo cai por terra também. Assim, em vez de um texto que de alguma maneira argumenta contra as cartas de Paulo, Tiago responde a um conjunto de questões diferentes daquele de Paulo. Enquanto Paulo responde à pergunta: "quem é parte da comunidade da fé?" Tiago responde à pergunta: "como então a fé deve ser vivida?" Como Paulo, Tiago retorna a Abraão e à Torá do Velho Testamento para responder a esta questão básica.


Paulo usa Abraão para demonstrar que a promessa de Deus existia antes da Lei e da circuncisão, em outras palavras, antes de uma particular expressão religiosa judaica da Aliança que era importante para os fariseus. Tiago usa Abraão para mostrar que a fé que foi recompensada e creditada como justiça era uma fé que exemplificava suprema obediência à Voz de Deus, e como ela funcionava nas ações do viver a vida. Esta obediência demonstrada pela resposta fiel na vida era a prova da fé de Abraão, e Deus renovou Sua Aliança com Abraão por causa da sua obediência, tão imperfeita como as suas ações eram de vez em quando (ver A Jornada de Fé de Abraão). Com esta obediência em mente, Tiago então redefine a Torá, a "lei", como sendo a maneira pela qual um cristão deve viver, não somente quanto às realizações, mas quanto ao motivo do coração. Tal como no Velho Testamento, Tiago viu a Torá ou a externalização da "lei" de Deus na obediência não como um meio de ganhar a salvação, mas para exemplificar e completar a sua recém-encontrada fé em Cristo. A "lei" então não é um conjunto de mandamentos que se opõem à fé, mas a "lei" torna-se uma expressão apropriada da fé (ver Torá como Santidade).


A Carta de Tiago


Tiago escreveu na forma básica de uma carta, que pode ser melhor descrita como um tipo de literatura moral antiga chamada parênese [gr. paraenesis]. Esse tipo de literatura procura ensinar o material tradicional, estimular o compromisso a um estilo de vida específico, e afirmar a imitação de um modelo prescrito de bom comportamento. Este bom comportamento é estimulado pelo uso de diretivas curtas, "faça isto/evite aquilo." Embora esta forma seja usada para ensinar a conduta estabelecida, muitas vezes pode dirigir-se a um grupo contracultural e marginalizado para desafiar a opinião prevalecente da sociedade mais ampla. Esse parece ser o caso em Tiago, e as instruções são para os recém-chegados à crença em Cristo.


O claro assunto de Tiago é o comportamento e as ações dos leitores. O autor não deseja discutir o conteúdo da Escritura ou debater teologia. O seu assunto são as ações daqueles que possuem fé. Isso é evidente em 1:22, onde os leitores são incitados a tornar-se muito mais do que apenas ouvintes, mas praticantes da Palavra também.


O uso que Tiago faz do termo "Palavra" é interessante. Isso lembra o chamado feito à nação de Israel para ser fiel à "Palavra do Senhor". Somente que agora essa "Palavra" está localizada dentro da pessoa de Jesus Cristo. Embora o conteúdo desta "Palavra" seja chamado "lei" por Tiago, ele é agudamente diferente de qualquer conotação legal de Torá do Velho Testamento.


Portanto, não deve surpreender o leitor ver que a "lei" em Tiago foi transformada da interpretação estritamente legal dos fariseus de Torá e da primitiva interpretação de Martinho Lutero, cujo ponto de vista igualmente no sentido forense via os fariseus como representando adequadamente a perspectiva do Velho Testamento. Tiago estabelece um padrão fundamentado nas palavras de Cristo, que recupera a intenção da Torá do Velho Testamento como uma resposta jovial em gratidão à bondade de Deus.5 Quando Tiago pela primeira vez se refere à lei, ele a chama "a lei perfeita que dá a liberdade" (1:25, 2:12).


Ainda mais impressionante, Tiago a chama de “lei real" em 2:8. Não se deve perder a importância desta designação, no versículo oito. Esta lei real que deve ser guardada é encontrada na Torá, Levítico 19:18: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo". No entanto, ela não é chamada de lei real em Levítico, de modo que a designação deve ser proveniente de outra fonte. É claro que ela brota de uma conexão destas palavras com Jesus. Quando confrontado, em Mateus 22:34-40, com a questão sobre a identidade do maior mandamento, Jesus respondeu com este texto de Levítico, e o acompanha com a citação de Deuteronômio 6:5, ambos os textos se originam a partir do coração da Torá. É evidente que estas palavras eram lembradas, e estavam tão intimamente ligadas ao Reino de Cristo que Tiago pode chamá-las de “lei real”. No entanto, em Tiago, a lei real tem comparação com as palavras de Jesus a partir apenas de Levítico 19:18: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo."


Correndo o risco de levar a um ponto muito distante, a linguagem de Tiago poderia dar ao leitor uma idéia de quão estreitamente Tiago deseja ligar Jesus com estas palavras. Enquanto Levítico 19:18 é identificado como Escritura em Tiago 2:8, o autor não implora aos leitores para guardarem a Escritura, mas, ao invés, para guardarem a “palavra” em 1:22-25. Esta linguagem pode servir para apontar os leitores para histórias ou para coleções das palavras de Jesus que eram familiares aos ouvidos desses cristãos do primeiro século. Então, esta “palavra” ou “lei real” era algo diferente para esta comunidade da fé do que era para os judeus que não seguiam a Cristo. Uma mudança drástica tinha alterado a forma como esta comunidade olhava para a lei, em contraste com a forma que era popular entre os fariseus do primeiro século. Os crentes lembravam como Jesus havia acusado os fariseus de ensinar a Torah erroneamente (Mat. 23), mas para eles ela era a lei da liberdade (Tiago 2:12) e uma fonte de alegria, como havia sido celebrado no Velho Testamento (Salmo 119). Ela não julgava aqueles a quem afetava, mas concedia misericórdia (2:13, cf. Salmo 19:7-14). Como agora vamos ver, essa lei real estava fortemente unida à vida de Jesus Cristo.


Aos acostumados a ver Tiago como uma obra tardia, pode ser surpreendente observar os paralelos entre Tiago e as palavras de Jesus dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos, Lucas). É possível ver uma coleção de referências a Jesus em Tiago. O contraste do tratamento aos ricos e aos pobres em Tiago 2:3 é um paralelo com Lucas 16:19. As palavras de Tiago 2:5 brotam diretamente das Bem-aventuranças em Mateus 5:3. Sua escolha do pobre ser rico na fé, no mesmo verso, lembra a oferta da viúva pobre em Lucas 21:1-4. Esta ligação com os Evangelhos continua em 2:6, onde Tiago adverte contra a opressão dos pobres pelos ricos. Este tema ecoa o tema de Jesus em Mateus 23:1-7. Este padrão encontra seu clímax em 2:8-13 com a "lei real" de Mateus 22. É importante ver como este padrão de comportamento para a comunidade está tão estreitamente ligado agora à vida de Cristo.


Um dos aspectos mais intrigantes do tratamento de Tiago à lei é como ele pode ligar favoritismo com assassinato e adultério no capítulo 2. Ainda, se lembrar-mos dos ensinos de Jesus nos Evangelhos este aparente salto é, na verdade, uma progressão natural. Em Lucas 16:14-17, Jesus Se dirige aos fariseus acerca do adultério imediatamente antes de contar a história do Rico e Lázaro. Mais importante é a história do Jovem Rico, em Mateus 19:16-30. Quando Jesus enumera os mandamentos que devem ser obedecidos, Mateus é o único que registra Jesus acrescentando "amarás ao teu próximo como a ti mesmo" após as proibições contra assassinato, adultério, e posição. O jovem se afasta de Jesus com tristeza por causa da sua incapacidade de usar a riqueza adequadamente. Esta luta com a riqueza e a disparidade entre os ricos e os pobres parece ser um dos problemas principais dentro da comunidade à qual Tiago está se dirigindo. Parece que Tiago está lembrando estas palavras de Jesus a partir do contexto dos mandamentos que eles devem seguir, e inclui o problema do favoritismo pelos ricos ao explicar a lei. Mais uma vez, a "lei" está sendo reconsiderada pela comunidade à luz da vida de Cristo e Sua própria situação singular [Jesus era pobre aos olhos dos homens e, ao mesmo tempo, era o Senhor de todas as riquezas]. Neste sentido, Tiago está recuperando o sentido de Torá do Velho Testamento, porque ela contém as exigências éticas para se viver sendo o Povo de Deus no mundo, em resposta à obra transformadora de Deus através de Jesus.


Estes paralelos com os Evangelhos Sinóticos, e especialmente com Mateus, são vistos em todas as partes de Tiago. Tiago 3:18 faz o leitor lembrar de Mateus 5:9-10. Tiago 4:11 e sua advertência contra o julgar aos outros é um paralelo com Mat. 7:1-2. Mesmo Tiago 4:13 parece muito com Mateus 6:25-34. Isto é ainda inesperado. Neste livro, muito duvidado, que muitas vezes era considerado um dos últimos livros da Bíblia a ser escrito, podemos ver uma vibrante recoleção dos ensinos de Jesus. Isso está bem longe de ser um livro carregado "de perspectivas" legais sobre as obras de justiça, que muitos têm desprezado por séculos. Ao contrário, Tiago pode ser visto como cuidadosamente trabalhando a teologia que repousa sobre as palavras de Jesus, e em muitas formas age como um companheiro dos Evangelhos.


É esta reconsideração da lei que faz Tiago tão sem-igual entre os livros da parte posterior do Novo Testamento. O autor não descreve um sistema no qual as obras, ou as boas ações, permitem à humanidade vir a Cristo, mas um estilo de vida onde a obediência afirma e demonstra o conteúdo da fé que nós temos. Embora Abraão tivesse fé e cresse em Deus, foi seu ato supremo de obediência que reafirmou a Aliança que Deus havia iniciado. Tiago 2:20-24 apresenta este ato obediente como um exemplo para os crentes. Agora, os crentes podem demonstrar o conteúdo da sua fé através do comportamento. Em Tiago, os crentes não demonstram a fé somente através da piedade pessoal interior e convicção própria, mas através das relações corretas dentro e através da comunidade da fé. Isso é resumido na "lei real" de 2:8: "amarás ao teu próximo como a ti mesmo" (cf. Paulo em Rom. 13:8). Tiago lembra sua comunidade que o comportamento que demonstra fé é o comportamento que é obediente a Deus e eleva espiritualmente ao próximo. Igualmente, o comportamento que é obediente a Deus (amarás ao Senhor teu Deus…) e eleva o próximo (amarás ao próximo…) é o comportamento que demonstra o conteúdo da fé de uma pessoa.


Da mesma maneira que nas cartas de Paulo, Tiago não cria uma competição onde a fé luta contra as boas ações como um princípio para salvação. Tiago usa Abraão para demonstrar que uma fé sem ações não ganha a aprovação de Deus. É uma coisa como se Abraão dissesse que crê em Deus, e então continuasse a viver como se não crêsse. Seria o contrário de obedecer a Deus e levar seu único filho ao topo do Moriá. Esta obediência era necessária para a fé ser efetiva, completa, e para confirmar a Aliança. Em 2:22-23, Tiago lembra seus leitores que por causa deste ato de obediência Abraão foi considerado amigo de Deus. A obediência perpetua o relacionamento [com Deus – Rom. 1:5]. A carta de Tiago deveria ser vista como uma descrição desses comportamentos que completam a fé e, mais adiante, completam o relacionamento com Deus. Esse comportamento não ganha a salvação, mas é um exemplo da lei da liberdade que busca a comunidade e traz a paz para dentro da igreja.


Conclusão


Como nas cartas de Paulo, a "lei" é importante em Tiago. Ela deve ser guardada de alguma maneira e ainda é o padrão para o comportamento humano. No entanto, essa não é a lei de Martinho Lutero através da qual alguém tenta ganhar a salvação. Melhor que isso, a lei em Tiago é o padrão de comportamento que melhor exemplifica a fé e a faz completa, uma recuperação do conceito de Torá do Velho Testamento redefinida à luz da nova obra de Deus em Jesus Cristo. Longe de ser somente um padrão de piedade individual e pessoal, esta lei em Tiago é expressada dentro e por meio da comunidade. Aqueles que possuem fé devem agir e tratar-se uns aos outros da maneira que Jesus descreveu. Nisto,nós somos praticantes da Palavra, e experimentamos a lei que traz liberdade.


Obs.: A explicação entre colchetes foi suprida pelo tradutor.


-Douglas Ward, Copyright © 2009, Douglas Ward and CRI/Voice, Institute


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1. Martin Dibelius, James, (Hermeneia: 1964) 2.
2. Para um exame mais detalhado desta nova perspectiva em Tiago, veja o impressionante volume de Luke Timothy Johnson, The Letter of James, AB 37A (New York: Doubleday; 1995).
3. Eu uso "Tiago" para simplesmente me referir ao autor de Tiago, e não para discutir que o autor é Tiago. Para os argumentos relativos à autoria de Tiago, por favor veja Luke Timothy Johnson, The Letter of James, AB 37A (New York: Doubleday; 1995).
4. "A polêmica do Novo Testamento contra a lei como meio de salvação é dirigida, não contra o Velho Testamento, mas contra interpretações erradas sobre a lei no primeiro século, também prevalecente hoje." Terence Fretheim, Exodus, Interpretation Commentary (John Knox 1991), 223.
5. Para um tratamento completo do que é chamado "a nova perspectiva sobre Paulo" veja James D. G. Dunn, The Theology of Paul the Apostle, (Grand Rapids: Eerdmans,1998), 354-359.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A ORIGEM DO CRISTIANISMO

A CONSPIRAÇÃO DE INÁCIO: A ORIGEM DO CRISTIANISMO


Por James S. Trimm
Traduzido por Sha'ul Bentsion



Muitos se enganam em pensar que Constantino foi o principal responsável pela corrupção e gentilização do Cristianismo. Apesar de Constantino ter certamente acrescentado e consolidado a apostasia do Cristianismo primitivo, ele não foi o primeiro. Foi na realidade Inácio de Antioquia que se rebelou contra o Concílio de Jerusalém, usurpou sua autoridade, segregou-se do Judaísmo, declarou que a Torá havia sido abolida, substituiu o Shabat do sétimo dia pela adoração no domingo e fundou uma nova religião não-judaica, a qual ele chamou de "Cristianismo".


O ALERTA DE PAULO ACERCA DOS BISPOS

Paulo disse aos efésios em sua última visita a eles:

"Cuidai, pois, de suas almas e de todo o rebanho sobre o qual a Ruach HaKodesh (Espírito Santo) vos constituiu supervisores (bispos), para apascentardes a Kehilá de Elohim, que Ele adquiriu com seu próprio sangue. Eu sei que depois da minha partida entrarão no meio de vós lobos cruéis que não terão pena do rebanho, e que dentre vós mesmos se levantarão homens, falando coisas perversas para desviar os talmidim (discípulos), para que os sigam." (Atos 20:28-30)

Paulo parece indicar que após sua morte, líderes começariam a se levantar dentre os supervisores [bispos] em seu lugar, e levariam pessoas a os seguirem e a se afastarem da Torá. Na realidade, Paulo morreu em 66 DC e o primeiro supervisor (bispo) de Antioquia a tomar o cargo após a sua morte foi Inácio, em 98 DC.
Inácio cumpriu com precisão as palavras de Paulo. Depois de tomar o cargo de bispo sobre Antioquia, Inácio enviou uma série de epístolas a outras congregações. Suas cartas aos efésios, magnésios, trálios, romanos, filadelfenos, e esmirneus, bem como sua carta pessoal a Policarpo, todas sobrevivem até hoje.

HEGÉSIPO RECONTA A APOSTASIA

O historiador e comentador nazareno antigo Hegésipo (cerca de 180 DC) escreve acerca do tempo imediatamente após a morte de Shimon (Simão), o qual havia sucedido a Ya'akov HaTsadik (Tiago, o Justo) como Nassi (Presidente) do Sanhedrin (Sinédrio) Nazareno, e que morreu em 98 DC:

"Até aquele período (98 DC), a Assembléia havia permanecido como uma virgem pura e incorrompida: pois, se havia quaisquer pessoas dispostas a alterar a regra completa da proclamação da salvação, elas ainda vagavam em um lugar obscuro oculto ou outro. Mas, quando o bando sagrado de Emissários (Apóstolos) havia de várias formas findado suas vidas, e a geração dos homens a quem havia sido confiado ouvir a Sabedoria inspirada com seus próprios ouvidos passou, então a confederação do erro da iniquidade tomou ascenção através da infidelidade dos falsos mestres que, vendo que nenhum dos emissários ainda sobrevivia, levantaram suas cabeças para se opor à proclamação da verdade, proclamando algo falsamente chamado de conhecimento." (Hegésipo, o Nazareno; c. 98 DC; citado por Eusébio em História Eclesiástica 3:32)

Hegésipo indica que a apostasia começou no mesmo ano que Inácio se tornou bispo de Antioquia!

INÁCIO SEPARA-SE DO CONCÍLIO DE JERUSALÉM

Até o tempo de Inácio, qualquer disputa que surgisse em Antioquia por fim era levada ao Concílio de Jerusalém (tal como em Atos 14:26-15:2). Inácio usurpou a autoridade do Concílio de Jerusalém, declarando a si mesmo, o bispo local, como sendo a autoridade final sobre a assembléia que o havia feito bispo, e semelhantemente declarando isto ser verdade acerca de todos os outros bispos e suas assembléias locais. Inácio escreve:

"...sujeitando-se ao seu bispo...
...andem juntos conforme a vontade de Deus.
Jesus... é enviado pela vontade do Pai;
Assim como os bispos... são [enviados] pela vontade de Jesus Cristo."] (Carta de Inácio aos Efésios 1:9,11)
"...seu bispo... penso que felizes são vocês que se unem a ele, assim como a igreja o é a Jesus Cristo e Jesus Cristo o é ao Pai...
Vamos, portanto, cuidar para que não nos coloquemos contra o bispo, para que nos sujeitemos a Deus. Devemos olhar para o bispo tal como olharíamos para o próprio Senhor." (Carta de Inácio aos Efésios 2:1-4)
"...obedeça ao seu bispo..." (Carta de Inácio aos Magnésios 1:7)
"Seu bispo está presidindo no lugar de Deus...
...unam-se ao seu bispo..." (Carta de Inácio aos Magnésios 2:5,7)
"...aquele...que faz qualquer coisa sem o bispo... não é puro em sua consciência..." (Carta de Inácio aos Trálios 2:5)
"...Não faça nada sem o bispo." (Carta de Inácio aos Filadelfenos 2:14)
"Cuidem para que vocês sigam o seu bispo, assim como Jesus Cristo ao Pai..." (Carta de Inácio aos Esmirneus 3:1)

Ao exaltar o poder do ofício do bispo (supervisor) e exigir a absoluta autoridade do bispo sobre a assembléia, Inácio estava na realidade fazendo uma jogada para obter o poder, tomando a autoridade absoluta sobre a assembléia de Antioquia e encorajando outros supervisores não-judeus a fazerem o mesmo.

INÁCIO DECLARA QUE A TORÁ FOI ABOLIDA

Além disso, Inácio afastou os homens da Torá e declarou que a Torá havia sido abolida, não somente em Antioquia, mas em todas as assembléias de não-judeus para as quais escreveu:

"Não sejam enganados por doutrinas estranhas; nem por fábulas antigas sem valor. Pois se continuarmos a viver conforme a Lei Judaica, estamos confessando que não recebemos a graça..." (Carta de Inácio aos Magnésios 3:1)
"Mas se alguém pregar a Lei Judaica a vocês, não lhe dêem ouvidos..." (Carta de Inácio aos Filadelfenos 2:6)

INÁCIO SUBSTITUI O SHABAT PELA ADORAÇÃO DOMINICAL

Foi Inácio quem primeiro substituiu o Shabat do sétimo dia pela adoração dominical, escrevendo:

"...não mais observem os Shabatot, mas observem o dia do Senhor, no qual também a nossa vida floresce nEle, através da Sua morte
..." (Carta de Inácio aos Magnésios 3:3)

INÁCIO DÁ UM NOME À SUA NOVA RELIGIÃO

Tendo usurpado a autoridade de Jerusalém, declarado a Torá abolida, e substituído o Shabat pelo domingo, Inácio criou uma nova religião.
Inácio, então, cunha um novo termo, nunca antes utilizado, para essa nova religião que ele chama de "Cristianismo", a qual ele mesmo deixa claro que é distinta do Judaísmo. Ele escreve:

"Vamos portanto aprender a viver conforme as regras do Cristianismo, pois quem quer que seja chamado por qualquer outro nome além desse, esse não é de Deus...
"É absurdo nomear Jesus Cristo e Judaizar. Pois a religião cristã não abraçou a judaica. Mas a judaica [abraçou] a cristã..."
(Carta de Inácio aos Magnésios 3:8,11)

CONCLUSÃO

Ao final do primeiro século, Inácio de Antioquia havia cumprido o alerta de Paulo. Ele abandonou o Judaísmo e fundou uma nova religião à qual chamou de "Cristianismo". Uma religião que rejeitou a Torá, e substituiu o Shabat do sétimo dia pela adoração dominical.


P.S.: É importante frisar que essa religião não foi fundada por Jesus Cristo, porque Jesus respeitava a Torá (Mat. 5:17-19).

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ENTRANDO NA ALIANÇA RENOVADA

ENTRANDO NA ALIANÇA RENOVADA

Por Lynn Ridenhour


A maioria de nós tem compreendido tudo de forma errada. Estou falando sobre nossas divisões artificiais da Bíblia; especificamente, nossas percepções do Velho e Novo Testamentos, ou Alianças. A maioria dos cristãos acredita que Deus dividiu a Escritura em duas Alianças - velha e nova. Ele não fez isso. Na realidade, ambas as palavras gregas e hebraicas para "nova" não é "nova", mas "renovada" - como em uma lua renovada todos os meses. É a mesma lua, mas é renovada. Igualmente, é a mesma palavra usada em Efésios 2:15 para "o novo homem". É... o homem renovado. O mesmo se aplica para as palavras: a nova Jerusalém. Ela é a Jerusalém renovada. E é a Aliança Renovada como falada por Jeremias. E que maravilhosa Aliança ela é:
"… Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e farei uma Aliança [re]nova[da] com a Casa de Israel, e com a Casa de Judá… " - Jer. 31:31.
As palavras hebraicas que Jeremias usa para "nova Aliança" são "Brit Hadashah" - a Aliança renovada. Há duas palavras gregas para "nova": neos e kainen. Neos quer dizer "nova" e kainen significa "renovada". Posteriormente, foi adotado outro significado e toda vez que aparece Aliança Renovada essa expressão tem sido traduzida como "Novo Testamento".
Então qual vale? O que estão esses vinte e sete livros da Aliança Renovada - Mateus até Apocalipse - realmente dizendo? Qual é a mensagem central deles? A pergunta é: o que tornou nova a Aliança Renovada?
A Aliança Renovada, se você quiser, "renova" e cumpre EM NÓS as cinco Alianças anteriores!
Oh, a glória de tudo isso! Como eu disse, não há nenhuma "velha" e "nova" Aliança. Deus fez seis Alianças com o Homem: a Aliança Noética, a Abraâmica, a Mosaica, a Israelita, a Davídica e a Renovada. E nenhuma das Alianças prévias foi cumprida em nós, contudo, Deus ordenou que Seu povo guardasse suas Alianças, e cada Aliança tinha seu(s) benefício(s) peculiar(es). Na Aliança Noética, por exemplo, Deus prometeu ao homem que Ele não destruiria a terra novamente (Gn. 9:9). Na Abraâmica, Deus prometeu a Abraão uma Aliança Eterna - uma terra específica (Gn. 15:18), a terra de Israel da qual Ele mesmo fixou as fronteiras [geográficas]. Na Aliança Mosaica (Ex. 19:5), Deus deu ao Seu Povo, Israel, a Torah na qual Ele escreveu as fronteiras éticas. Na quarta Aliança (Deu. 28-30), Deus advertiu Israel sobre as bênçãos e maldições que emergem da Aliança Mosaica. Na Aliança Davídica, a quinta Aliança, Deus prometeu ao Rei Davi um reino eterno sob o governo do Rei Yeshuah.
Como foi dito, nenhuma dessas Alianças foi mantida. O homem não cumpriu os 613 mandamentos externos da Torah. Assim, as Alianças foram quebradas - começando com Adão e Eva. Porém, pela Aliança Renovada, Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, veio para esta Terra, guardou todos os mandamentos - e o espírito desses mandamentos - então fez morada em nós pelo Espírito Santo, assim restaurando e renovando EM NÓS os benefícios dessas cinco preciosas Alianças que Deus fizera com o homem.
E o que são esses benefícios preciosos?
A estratégia de Deus é restaurar o Jardim do Éden com um "segundo Adão", o Noivo que se casa com uma "segunda Eva" - sua Noiva... Os dois reinarão como Rei e Rainha sobre um Reino eterno, um reino sediado numa terra onde a Sua ordem moral agora governa suprema. A Aliança Noética fornece a segurança dentro daquela ordem. Como Sua noiva, nós já não devemos nos interessar pela destruição futura, a auto-aniquilação. A Aliança de Noé está agora em vigor sobre a terra. Não há mais medo de o homem destruir seu vizinho. O que os políticos não puderam oferecer (paz na terra) a Aliança renovada oferece e cumpre. A Aliança Abraâmica dá ao Rei e à Rainha uma terra. A Aliança Israelita oferece as bênçãos da paz e da prosperidade. A Aliança Mosaica fornece as fronteiras morais do Seu reino com a lei e a ordem. E, finalmente, a Aliança Davídica promete ao Rei e à Rainha um reino que desta vez é eterno, porque nunca passará.
Isso tudo é "muito real." Haverá realmente um Jardim do Éden restaurado. Haverá real paz e prosperidade que cobrirá a terra. Haverá uma Noiva e um Noivo na terra - um segundo (coletivo) Adão e Eva que presidem no seu jardim restaurado. Eles serão conhecidos como Reis e Rainhas na terra. As bênçãos israelitas fluem. E, finalmente, desta vez, como foi dito, o reino paradisíaco é eterno.
(Como uma nota de rodapé: este é um lugar apropriado para mencionar por que as bênçãos e benefícios anteriores não podem ser "espiritualizados". A natureza destas Alianças restauradas não permitirá isso. Jesus Cristo morreu na Cruz para restaurar estas cinco Alianças. E os benefícios das Alianças são tanto temporais quanto espirituais.)
...
De acordo com Jeremias 31:31-37, Heb.10:16,17, e Romanos 11, como crentes em Jesus Cristo, nós nos tornamos "cidadãos de Israel" enxertados na árvore judaica de Romanos 11. Novamente - esta não é uma Aliança "nova". É um compêndio das cinco Alianças anteriores.
Porém, é nova no sentido de uma coisa que é completamente desconhecida. Jesus Cristo, fazendo morada no crente, não só instrui o crente relativamente à Torah, mas Ele cumpre essas instruções no crente. Ele ordena, e então provê o poder para ser cumprido o mandamento.
Isso é desconhecido. Jeremias, o profeta, disse isso bem:
"… Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei uma "brit Hadashah"/Aliança Renovada com a Casa de Israel, e com a Casa de Judá; não conforme a Aliança que fiz com seus pais no dia em que os levei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha Aliança… Porque esta é a Aliança que firmarei com a Casa de Israel; depois desses dias, diz o Senhor. Nas mentes (be kirbam - no interior deles) imprimirei minhas leis, também nos corações lhas inscreverei; Eu serei o seu Deus, e eles serão Meu povo." - Jer. 31:31-33.
Note a palavra traduzida como "interior." Ela foi maltraduzida. A palavra hebraica é "junto deles." O Espírito Santo - que é o Espírito de Cristo - vai um dia se tornar o seu Consolador, o seu Guia, e virá para junto deles. Ele se tornará o seu companheiro constante, enquanto escreve as leis de Deus nos seus corações.
Outro ponto importante: Romanos 11 é o "Quem é Quem" da Oliveira dos olhos de Deus. A Aliança Renovada foi feita para Israel, não para a Igreja! As raízes da árvore são os patriarcas e profetas judeus, o tronco e alguns dos ramos são a nação de Israel, os judeus, e a maioria dos ramos são a Igreja. Não existe nenhuma árvore judaica de um lado e uma árvore gentílica chamada "a Igreja" do outro. Judaísmo e Cristianismo não são "duas religiões separadas" como somos levados a acreditar, mas os dois são uma continuidade espiritual da mesma árvore. Paulo declara isto [em Romanos 11].
Nestes últimos dias... a igreja institucionalizada é descrita como um mero ramo. Deus está restaurando Suas Alianças com o Israel dos últimos dias. Como?, diz você. Primeiro, o Rabino Yeshuah "preencheu" a Torah (Mt.5:17) com o Seu Espírito Santo. Ele é a Torah Viva. "… Não penseis que vim revogar a lei, ou os profetas", diz Jesus. "Não vim para revogar, vim para cumprir…" A palavra é "plerosai", preencher. Ele "preencheu" a lei. Onde? Dentro de nós. Quando nós recebemos o Rabino Yeshuah como nosso Senhor e Salvador, Ele passa a estar dentro de nós. Assim, a Torah está dentro de nós. E as Alianças (todas as 5) estão "preenchendo" nosso interior. Isso significa que os seus benefícios também estão em nosso interior.
Isso é o que significa Aliança Renovada.


Sobre o autor: Lynn Ridenhour foi Ministro Batista por 39 anos, havendo-se desligado daquela denominação para se tornar membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (ou Igreja Mórmon). Seus textos são expostos ao público no site:
http://www.greaterthings.com/Ridenhour/

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PERIGO À VISTA

PLANO PARA MANTER OS JOVENS À MERCÊ DO DESGOVERNO

Estatuto da aberração: Depois do ECA, esquerda brasileira agora quer Estatuto da Juventude
Perto do Estatuto da Juventude, o Estatuto da Criança e do Adolescente é “coisa de criança”
Julio Severo

Sob a relatoria da Dep. Manuela D’Ávila, do Partido Comunista do Brasil, está tramitando no Congresso Nacional o Estatuto da Juventude (EJ) que, diferente do ECA, cujas políticas de redução dos direitos dos pais e inchamento dos poderes estatais são implícitos, o EJ será mais explícito.

Embora, como o ECA, o EJ seja promovido como uma legislação que vai beneficiar as famílias e os jovens, a verdade é que o EJ vai tratar, entre muitas importantes questões, explicitamente da questão homossexual: em vez de ter liberdade para ajudar seus filhos a sair do homossexualismo, as famílias terão a obrigação, imposta pelo EJ, de assegurar a seus filhos o “direito” de não sair do homossexualismo.

A meta do EJ é simples:

* Menos liberdade de decisão e autoridade para os pais em importantes questões de seus filhos adolescentes.

* Mais liberdade de decisão e autoridade para o Estado e grupos alinhados com as modernas deformidades morais do Estado egocêntrico.

Se a delinqüente legislação radical e moderna do EJ for aprovada, deixará a “antiquada” delinqüência legal do ECA ultrapassada. O EJ é na verdade um tipo de ECA atualizado saindo do armário.

Resposta do Estado aos anseios e necessidades das famílias e do jovens
A sociedade anseia por soluções práticas para os problemas atuais dos jovens, mas tudo o que o Estado nos dá são estatutos. Primeiro, foi o inesquecível Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, prometendo mil e uma maravilhas, acabou demonstrando ser nada mais do que uma ferramenta de controle estatal sobre as famílias.

Muitas famílias cristãs, movidas pelo bem-estar educacional e espiritual dos filhos, se esforçam para educar os filhos em casa. É exatamente aí que o ECA, que é implementado através dos conselhos tutelares, mostra sua força, oprimindo e ameaçando qualquer pai e mãe que esboce o mínimo desejo de remover os filhos do controle estatal para lhes dar o que o Estado não dá: uma educação escolar de qualidade.

O ECA mina sistematicamente os direitos dos pais e das famílias, em nome da proteção, educação e saúde das crianças e adolescentes.

O ECA não permite que pais façam uso da vara corretiva ou chinelo para disciplinar os filhos, mas dá a assassinos e estupradores menores de idade um surpreendente direito à impunidade. O menor estuprador e assassino não é preso, mas fica sob a proteção do Estado, que o “ressocializará”. Ao completar 18 anos, ele é devolvido à sociedade, com ficha totalmente limpa. Assim, de acordo com a inversão da ética legal estabelecida pelo ECA, pais que usam uma vara para disciplinar a rebeldia de um filho são considerados criminosos, enquanto que estupradores e assassinos menores de idade não podem de forma alguma ser chamados de criminosos.

O ECA é também conhecido por sua omissão. Embora se proclame como defensor das crianças, quem está lutando contra o governo Lula e seus esforços para legalizar o assassinato de crianças em gestação por meio do aborto legal não é o ECA, mas os cristãos pró-vida. O ECA é totalmente omisso na defesa das crianças em gestação diante das insanidades abortistas do governo e de grupos de interesses pró-aborto. O Estado faz uso do ECA somente quando lhe convém. Quando o assunto é controle sobre os pais, o Estado faz uso pleno do ECA. Quando o assunto é aborto legal, o Estado não invoca, com base no ECA ou não, nenhum direito à vida das crianças em gestação.

O ECA é também omisso na proteção às crianças necessitadas de adoção. Todo menino e menina tem direito a um lar saudável com pai e mãe, mas as tentativas de militantes homossexuais expandirem sua agenda ideológica reivindicando um direito anti-natural de adotar crianças não tem encontrado nenhuma resistência do ECA.

O Estatuto da Juventude e suas consequências
Agora, como se não bastasse o ECA, está tramitando no Congresso Nacional o PL 4529/2004, o Estatuto da Juventude. Se aprovado, o EJ imporá os seguintes direitos anti-naturais:

“Direito de não ser discriminado por orientação sexual”. (Capítulo 3, artigo 13.2)
Conseqüência: Sendo aceito como direito, a “orientação sexual” — qualquer inclinação sexual que um jovem sinta (homossexualismo, sexo com objetos, pedofilia, zoofilia, necrofilia, etc.) estará sob proteção estatal, e pais e professores não poderão questionar nem criticar o comportamento escolhido pelo jovem. Se tentarem aconselhar o jovem a mudar de comportamento, pais e professores estarão sujeitos a penalidades criminais. Só não se sabe por quanto tempo ficará fora do menu de aberrações sexuais a “orientação sexual” por crianças, cadáveres ou animais.

A palavra mágica “discriminação” é a chave politicamente correta para usar o Estado para impor leis a favor de tradicionais males sociais e atacar os defensores dos valores da família. Na ordem inversa exigida e imposta pelos que querem a sacralização da imoralidade e a criminalização da moralidade, os pais terão menos direitos sobre seus próprios filhos e os grupos homossexuais terão mais direitos sobre os filhos dos outros.

“O direito à igualdade racial e de gênero compreende a capacitação dos professores dos ensinos fundamental e médio para a aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais no que se refere às questões de promoção da igualdade de gênero e de raça e do combate a todas as formas de discriminação resultantes das desigualdades existentes”. (Capítulo 4, artigo 15.2)
Conseqüência: Além de orientação sexual, a palavra gênero, quando aplicada ao sexo humano, é outro termo fantasia usado para promover a idéia de que existem mais de dois sexos. Apesar de que a natureza só reconhece dois sexos, por força do EJ as escolas serão forçadas a ensinar que todos os tipos de comportamentos sexuais estranhos são normais. As escolas também serão instrumentos para combater todas as opiniões contrárias às novas normas sexuais protegidas pelo Estado. Se uma criança cair sob a influência da lavagem cerebral homossexual nas escolas públicas, os pais nada poderão fazer, sob pena de sofrerem perseguição de grupos homossexuais, seus cúmplices na imprensa esquerdista e um intolerante e autoritário Estado pró-homossexualismo.

Na gíria politicamente correta, “gênero” é o termo usado para substituir a palavra “sexo”, significando que o ser humano não está limitado apenas ao sexo masculino e feminino. O termo “gênero” é propositadamente vago, podendo significar homossexualismo, bissexualidade e muito mais que se queira. Daí, um “direito à igualdade de gênero” implica que qualquer escolha sexual, por mais estranha e bizarra que seja, deverá ganhar a mesma proteção e privilégios que o padrão sexual natural homem e mulher.

Art. 15. O direito à igualdade racial e de gênero compreende a inclusão de temas sobre gênero na formação dos futuros profissionais de educação, de saúde, de segurança pública e dos operadores do direito”. (Capítulo 4, artigo 15.3)
Conseqüência: Todos os funcionários estatais deverão ser treinados para promover e defender o homossexualismo e outras aberrações sexuais. E no nome da promoção da igualdade racial, práticas de bruxaria como o candomblé e umbanda serão promovidas pelo Estado como tão importantes quanto o Cristianismo. O Estado assim imporá a igualdade de Jesus com os deuses do candomblé e umbanda. Quem se opuser a essa igualização forçada será considerado racista e intolerante.

Ao colocar no mesmo nível “igualdade de gênero e de raça” o Estado acaba promovendo a realidade das religões afro-brasileiras, onde o homossexualismo é muito bem aceito por seus deuses e faz parte da vida de muitos pais-de-santo. É o Estado formalmente reconhecendo o “casamento” entre “raça e gênero”, onde homossexualismo se funde com as práticas das religiões afro-brasileiras e é reconhecido obrigatoriamente como “cultura”.

“A inclusão de temas sobre questões raciais, de gênero e de violência doméstica e sexual praticada contra mulheres na formação dos futuros profissionais de educação, de saúde, de segurança pública e dos operadores do direito, sobretudo com relação à proteção dos direitos de mulheres afrodescendentes”. (Capítulo 4, artigo 15.2)
“A adoção de políticas de ação afirmativa como forma de combater a desigualdade de gênero”. (Capítulo 4, artigo 15.5)
“O direito à sexualidade consiste em ações que contemplem: o respeito à diversidade de valores, crenças e comportamentos relativos à sexualidade, reconhecendo e respeitando a orientação sexual de cada um”. (Capítulo 5, artigo 17.2)
Conseqüência: Seguindo no rastro de políticas anti-racismo importadas da esquerda dos EUA, o Estado brasileiro dará também privilégios a cidadãos com comportamento sexual diferente do normal. Inicialmente, universidades e órgãos estatais separarão determinado número de vagas e as darão exclusivamente a indivíduos portadores de homossexualismo e outras anormalidades sexuais. Depois, estabelecimentos particulares serão obrigados a seguir a tendência. Se o governo, mesmo sem nenhum fundamento, prega que 10 por cento da população são homossexuais, 10 por cento das vagas deverão ser reservadas exclusivamente aos homossexuais. Por quanto tempo o quadro de funcionários de escolas cristãs e a função de pastores e padres estarão isentos das pressões estatais em prol de sua “igualdade”?

Além disso, as questões de violência doméstica são manobradas como plataformas para avançar políticas feministas. A violência doméstica funciona muitas vezes como estratégia feminista, atraindo grande número de mulheres incautas, que acabam sendo doutrinadas e transformadas em militantes feministas pró-aborto. A violência doméstica acaba se tornando desculpa feminista para apoiar a violência e o assassinato de bebês em gestação. Assim, um Estado mal-intencionado é a pior solução para problemas domésticos e problemas de relações humanas.

“Cadastramento da população jovem em base territorial, visando ao atendimento hebiatra em ambulatórios”. (Capítulo 5, artigo 16.1)
Conseqüência: Com o EJ, o Estado irá até os jovens, cadastrando-os e monitorando-os para incluí-los em seus serviços. Especialistas estatais entrevistarão os adolescentes, apurando deles suas “orientações sexuais”. Aos adolescentes sofrendo de confusão ou desorientação sexual, os profissionais do Estado lhes oferecerão um menu de diversidades sexuais, com sigilo e proteção contra a interferência dos pais. Os adolescentes terão total liberdade de seguir os novos direitos oferecidos pelo Estado, com ou sem o conhecimento e consentimento dos pais. Com um cadastramento nacional, o Estado e os grupos homossexuais poderão focalizar e fiscalizar os adolescentes mais vulneráveis ao homossexualismo e garantir que não saiam dessa opção sexual.

“Garantia da inclusão de temas relativos a consumo de álcool, drogas, doenças sexualmente transmissíveis, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), planejamento familiar e saúde reprodutiva nos conteúdos curriculares dos diversos níveis de ensino. (Capítulo 5, artigo 16.4)
Conseqüência: Debaixo da proteção do ECA, as aulas de educação sexual em escolas do governo constrangem (o governo prefere chamar esse constrangimento de “educação”) crianças e adolescentes com modelos de plásticos dos órgãos sexuais, com cenas e apresentações explícitas de técnicas sexuais, etc.

Com o EJ, o que mudará é o foco. Em vez de serem constrangidos com cenas de penetração vaginal, crianças e adolescentes serão constrangidos com cenas de penetração anal.

Há 50 anos, quem tentasse fazer tais apresentações para crianças e adolescentes estaria totalmente fora da lei e seria chamado de monstro e criminoso. Hoje, quem faz isso em sala de aula está sob a proteção da lei e é chamado de “professor”.

Por experiência sei que o Estado chegou a esse ponto depravado por planejamento de alto nível. Quase duas décadas atrás, estive num encontro internacional de autoridades de educação sexual, inclusive com um representante da ONU e do Ministério da Saúde. Ali à vontade entre si, eles expressaram livremente a idéia de que o adolescente tem direito ao sexo prazeroso, que deve ser protegido de doenças e gravidez, como se a gravidez — não os pecados sexuais — fosse o maior problema dos jovens.

Esses educadores sabiam que para atrair a simpatia e aprovação da sociedade, dos pais e dos religiosos, eles não poderiam implementar diretamente uma educação sexual pornográfica cuja prioridade é apenas o prazer carnal. Isso provocaria ira e oposição. Seu plano deveria trazer devidamente empacotado como um sanduíche sua educação sexual mais explícita, que viria levemente disfarçada no meio de outras “ofertas” tentadoras para os jovens: educação profissionalizante, higiene, drogas, álcool, boas maneiras, etc.

Com tal fachada, os educadores sexuais teriam liberdade para educar o jovem passo a passo, até transformá-lo numa máquina sexual sem valores, moralidade e necessárias ligações com compromisso conjugal.

Ditadura sexual disfarçada de pluralidade, diversidade e democracia sexual
A ditadura sexual do Estado — onde o padrão é a sexualidade com prazer sem procriação — exaltará o sexo sem casamento, louvará o planejamento familiar e adorará o homossexualismo.

A ditadura sexual do Estado manterá os jovens sob total controle através de um cadastramento estatal e, pelo uso da força, o Estado imporá vagas obrigatórias para determinadas raças e sexos (feminista, homossexual, bissexual, etc.) em empregos, instituições, etc.

A ditadura sexual do Estado se contentará com apenas tais medidas? Claro que não. A aceitação e consagração de uma exótica selva de “valores, crenças e comportamentos relativos à sexualidade” inevitavelmente produzirá mais e maiores aberrações. A falta de limites nos excessos sexuais é imposta como direito democrático. O homossexualismo e o bissexualismo que até recentemente eram classificados universalmente como aberrações agora são, em nome da democracia, aceitos. Hoje o que é considerado aberração é a pedofilia. O que o futuro trará para os homens que têm “orientação sexual” envolvendo meninos e meninas? O que se reivindicará em seguida em nome da democracia e dos direitos sexuais e reprodutivos?

Um pecado leva a outros pecados. Uma aberração leva a outras aberrações. Assim é que o Estatuto da Criança e do Adolescente está levando ao Estatuto da Juventude.

Diz o ditado que quando os gatos estão ausentes, os ratos fazem a festa. Na ausência de boas leis e ordem, os pervertidos fazem a festa. Felizmente, não há ausência de bons homens e mulheres no Brasil. Mas quando está ausente neles a disposição necessária de se mobilizar e confrontar malignas leis que os pervertidos impõem na sociedade, os ratos fazem a festa. No Brasil, onde recentemente o movimento de “direitos” das crianças e dos adolescentes — que é defensor do ECA e do EJ — se uniu oficialmente ao movimento homossexual, eles já estão fazendo farra.

Quando é que os bons se darão conta de que precisam agir para acabar com essa farra?

Fonte: www.juliosevero.com

Grupos homossexuais querem “melhorias” no ECA

Para entender os perigos do ECA, clique nos seguintes artigos:

O abuso estatal contra a ordem familiar

Direitos das crianças: O que a ONU e o Estado fazem para controlar as famílias

O que está por trás da campanha estatal pelos direitos das crianças

CRIMINOSOS PRIVILEGIADOS: Fortalecendo a impunidade em nome da reabilitação dos menores que estupram e matam

Insensatez na punição de menores

Distorções e abusos do Estado voraz gerando caos às famílias

Julio Severo e Heitor De Paola rebatem defesa ao ECA em programa de televisão

A ameaça da ONU: A destruição dos direitos dos pais
Governo Mundial: De que modo os Acordos da ONU sobre os Direitos das Mulheres e das Crianças Minam os Valores da Família, os Valores Evangélicos e a Soberania dos Países

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

ALIANÇA, OBEDIÊNCIA E FIDELIDADE

Jeremias 31:27-34

Contexto

Como com a maioria de outras leituras proféticas, de fato como acontece com a maior parte das leituras bíblicas, tanto o contexto literário como o histórico são importantes para se ouvir e entender a mensagem do texto. Esta lembrança pode até ser mais importante nesta leitura, como vimos em algumas outras leituras de Jeremias, por causa de determinados usos deste texto pelo Novo Testamento. É também importante por causa do modo como os cristãos tendem a ler o texto Cristologicamente. Lembrar-se de ter prudência ao abordar esta passagem não elimina nenhuma leitura cristã deste texto, nem sugere que qualquer leitura Cristológica esteja necessariamente errada. O texto pode falar-nos certamente como cristãos. Contudo, para ouvir este texto, ao contrário de suas interpretações posteriores pela lente de eventos históricos sucedidos mais tarde ou sob a luz de sistemas teológicos desenvolvidos mais adiante, temos de concentrar-nos no que esta leitura comunica no contexto do livro de Jeremias do Velho Testamento.
Há também um aspecto positivo nesta prudência. Entendendo este texto como a palavra de Deus em um determinado contexto histórico, e como conservado pela comunidade da fé em certo contexto literário, pode dar-nos de fato um pouco de discernimento mais profundo de como ouvir o Novo Testamento e o uso teológico cristão posterior do texto. E ele poderia até dar-nos alguns novos discernimentos de aspectos da teologia: como falamos e pensamos sobre Deus, que pode não ser tão óbvio quando esta leitura é domesticada num sistema teológico mais amplo.
Esta leitura está localizada na seção do Livro de Jeremias conhecido como O Pequeno Livro da Consolação (caps. 30-33). Isto é simplesmente um termo usado para observar que o assunto objeto destes capítulos deslocou-se decididamente do ministério de 40 anos de Jeremias de proclamar o juízo por meio das invasões babilônicas para o tema da futura restauração do povo além do exílio iminente (para obter mais informações sobre esta coleção do assunto, ver o Comentário sobre Jeremias 33:14-16; ver também em 31:27-34; 32:1-3a, 6-15).
O título desta seção também revela que alguns eruditos veem esta porção do livro de Jeremias como tendo-se originado num tempo posterior àquele do próprio profeta. Normalmente, os eruditos atribuem-no à comunidade pós-exílica, como eles começaram a entender a mensagem de Jeremias e elaboraram os temas de esperança e restauração, e logo organizaram teologicamente as tradições de Jeremias em volta da idéia de restauração e obediência à Torah. A pessoa ou o grupo que reuniu e editou este material são geralmente referidos como Deuteronomistas, refletindo a semelhança de perspectivas entre eles e a forma final do livro do Deuteronômio. Estas semelhanças são especialmente evidentes nesta leitura com a ênfase na Aliança (p. ex., Deu. 5:2-3), na linguagem do coração (p. ex., Deu. 4:29; cf. Jer. 29:13), e no assunto da fidelidade devida a Deus baseada em amor e compromisso que ultrapassa a restrição legal (p. ex., Deu. 6:4-9).
Contudo, como outras porções de Jeremias, especialmente dentro desta seção do livro, os eruditos estão divididos sobre quais partes vêm do próprio profeta e quais são interpretações posteriores da comunidade. Afortunadamente, como naquelas outras passagens, não temos que decidir estas questões para entender esta leitura dentro do contexto do livro de Jeremias. Mesmo se um pouco deste material, ou até tudo isto, vem da comunidade posterior como ele se refletiu no seu próprio futuro, é claro que ele continuou abrindo a mensagem de Jeremias para a comunidade da fé durante e além do Exílio. Isto sugere que a autoridade deste material não está em quem o escreveu, mas no que ele diz sobre Deus que a comunidade entendeu ser a palavra de Deus (ver Revelação e Inspiração da Escritura). É também porque podemos referir-nos a este material em termos de "Jeremias disse" sem implicar nada de uma forma ou de outra sobre a autoria, no nosso sentido moderno do termo.
Na interpretação ou leitura, isto também sugere que não importa qual a origem destes capítulos, eles não podem ser retirados do seu contexto dentro do livro de Jeremias sem fazer sério dano teológico a sua mensagem. É crucial que estes capítulos de esperança e promessa de um novo futuro permaneçam direta e intimamente ligados canonicamente à pregação precedente de Jeremias que proclamou juízo sobre o pecado e chamou o povo a voltar para Deus. Não podemos tomá-los daquele contexto, seja para cristianizá-los ou para resolver questões históricas da origem e fontes do texto ou simplesmente falar sobre esperança e renovação como um princípio abstrato, sem primeiro vê-los no contexto deles que é de fato o clímax do ministério de 40 anos de Jeremias. Fazer isso é arriscar-se a fazê-los dizer algo que a comunidade da fé que os preservou nunca disse. E nos arriscaríamos a lançar as promessas de Deus de um novo futuro para uma graça demasiado barata, que não leva a sério os fins para os quais esta comunidade de fé experimentou aquela graça. Como veremos, isto é um aspecto importante da mensagem teológica deste texto.
O contexto histórico desta leitura foi um tempo trágico na história de Israel. Desde a ascenção da Assíria em 745 a.C., os eventos mundiais tinham girado fora do controle de Israel. Houve algumas poucas vezes quando bons líderes israelitas e um vácuo na história mundial tinham permitido à monarquia de Judá conservar um pouco de controle do seu próprio destino (ver os reinos de Ezequias e Josias). Mas, na maior parte das vezes a pequenina nação tinha sido um mero penhor nas mãos dos impérios maiores. Ferozmente independente e nacionalista, ainda infeccionada por líderes débeis e vacilantes, Judá tinha jogado um jogo perigoso na tentativa de manter a sua própria existência lançando poderes rivais um contra o outro (veja o reino de Jeoaquim). Ainda como os profetas tinham estado avisando desde o tempo de Amós (745 a.C.), por tentarem agir sem considerar a fidelidade devida ao Deus que tinha trazido a nação à existência em primeiro lugar, isso não foi nada em vista da pecaminosa loucura que tomou conta da nação (p. ex., Jer. 2:17-19).
O fim de Judá estava próximo. Com todos os seus aliados reduzidos a vassalos ou enfraquecidos pela luta interna, Judá foi deixado praticamente sozinho para enfrentar o novo império mundial, Babilônia. E ainda, os líderes loucos ainda tinham tentado lutar contra o império, supondo que no último momento Deus os resgataria como ele tinha feito em relação aos assírios durante o reino de Ezequias. Mas Jeoaquim e Zedequias não eram como Ezequias. E a mensagem de Jeremias a Jeoaquim tinha sido diferente do que Isaías tinha dito a Ezequias. Jeremias tinha dito repetidamente ao povo e aos reis durante 40 anos que a menos que eles realmente se arrependessem e modificassem as suas atitudes em direção a Deus, desta vez eles não sobreviveriam. Ainda assim, eles se recusaram a atender a Deus. Os babilônios tinham vindo em 598 a.C. e viriam novamente em 586 a.C. para destruir totalmente o país e a cidade (ver a Ascenção de Babilônia e o Exílio, especialmente Zedequias e o Fim de Judá). Estes capítulos estão colocados entre estas duas invasões babilônicas. Historicamente, o tempo de Judá estava curto.
Foi nesta crise que Jeremias trouxe algumas das mais poderosas mensagens de esperança das Escrituras. Novamente, não devemos divorciar estas da sua ênfase no longo período da recusa israelita de atender a Deus, nem devemos ver algo disto à parte do juízo que Jeremias viu como um resultado inevitável do pecado do povo e da nação. Ainda há algo importante que devemos aprender sobre Deus aqui.

O Texto

O capítulo 31 abre-se como uma série de provérbios organizados em torno do tema da restauração prometida. O capítulo inteiro é dirigido pelo conceito da Aliança, introduzido com uma expressão teológica pesadamente carregada daquela idéia no verso 1: "serei o Deus de todas as famílias da terra, e vocês serão Meu Povo" (numa forma ligeiramente diferente em 30:22 e na forma mais típica em 31:33). Isto é conhecido como a fórmula da Aliança, um típico modo do Velho Testamento de expressar a relação entre Deus e Israel: como Deus tinha-se revelado a eles como Deus, como os chamou para reconhecê-lo como Deus e a responder em fidelidade a Ele como o Seu Povo (para saber mais sobre a fórmula da Aliança, veja o Comentário sobre Jeremias 31:7-14, especialmente a seção o Texto). No contexto do exílio, esta fórmula teria um enorme significado como uma estrutura não só para exprimir a graça de Deus, mas também para chamar o povo à responsabilidade e para atender ao apelo Divino diante daquela graça [imerecida].
A frase "naquele tempo" que introduz este capítulo (31:1), bem como as três ocorrências da frase "eis aí vêm dias" (vs. 27, 31, 38), levaram alguns a concluir que esta passagem é escatológica, referindo-se a algum tempo "do fim" no futuro indeterminado quando Deus restaurará Sua Criação. Contudo, esse é um significado demasiadamente amplo deste texto, e reflete desenvolvimentos muito posteriores do conceito de escatologia ou "últimas coisas". Enquanto alguns da comunidade pós-exílica e da comunidade cristã posterior tenderam a expressar a teologia aqui em tais termos, esta leitura está firmemente amarrada à história. Mesmo não sendo sobre as "últimas coisas" ou o fim da história, o texto é claramente orientado ao futuro, à expectativa da ação de Deus dentro da vida histórica da comunidade israelita. Isto pode não esgotar as possibilidades de aplicação desta leitura, mas elas seguramente devem iniciar aqui.
Embora tenhamos observado que o capítulo 31 está unido por temas e expressões em comum, esta leitura divide-se em duas seções claramente marcadas pela frase introdutória "eis aí vêm dias" (27-30, 31-34). A primeira seção usa uma série de três metáforas para descrever a virada do tempo de juízo para o tempo de esperança.
A imagem da dispersão foi provavelmente emprestada de Oséias que tinha usado a metáfora num jogo de palavras com o nome Jezreel ("Deus espalha") para falar sobre a futura restauração do Povo por Deus (Osé. 1:10-11, 2:21-23; cf. 14:4-7). Oséias tinha usado a metáfora em conjunto com a fórmula da Aliança para descrever a natureza do relacionamento restaurado entre Deus e Israel (Osé. 2). É provável que não tenha sido por acidente que Jeremias usou a metáfora, aqui, no mesmo contexto de Aliança. Também em Jeremias, a dispersão do povo está relacionada à metáfora da plantação, um dos seis temas que são tecidos em todas as partes do livro (junto com edificar e as palavras arrancar, derrubar, destruir e arruinar; veja o Comentário sobre Jeremias 1:4-10). Em uma terra tão árida, a metáfora de plantas crescendo sempre tem as conotações positivas da bênção e da estabilidade da vida representadas por um estável suprimento de comida. Aqui, a metáfora da dispersão serve para apontar para um futuro onde novamente haverá estabilidade na terra (ver o Comentário sobre Jeremias 32:1-3a, 6-15).
O segundo grupo de metáforas nesta seção retorna ao mesmo agrupa-mento de seis termos observados acima que servem como condutores do assunto através do livro. Estes temas foram usados para formar a narrativa de chamada de Jeremias (1:10), e isoladamente ou em pares foram usados em momentos-chave oportunos em todo o livro (p. ex., 2:21, 12:14-17, 24:6, 29:5, 31:40, 42:10). Aqui, pela primeira vez desde aquela passagem inicial, todos os seis são usados em conjunto (cinco foram usados em 18:7-9). Além disso, a metáfora de velar, usada na narrativa de chamada inicial em uma visão simbólica para confirmar a Jeremias que a palavra de Deus estava assegurada para ele (1:11-13), é novamente retomada aqui (v. 28).
A combinação destas metáforas nesta leitura claramente assinala um clímax teológico no livro. Não é tanto que os temas de plantar e edificar são subitamente introduzidos na pregação de Jeremias, embora haja certamente a sugestão de que sua mensagem se deslocará agora para uma ênfase em edificar e plantar. É mais uma confissão teológica que na história de Israel, como os israelitas enfrentaram a hora mais escura que eles tinham experimentado desde a fuga como escravos do Egito, a palavra de Deus desta vez é sobre o futuro e a esperança.
Não há nenhuma alegria expressada na calamidade iminente de Israel. De fato, nas passagens posteriores Deus pede desculpas pelo Exílio (42:10). Há uma visão realista da história, aqui. Ainda, a mensagem de edificar e plantar vai muito além de qualquer futuro inerente a possibilidades históricas que alguém possa prever. É esta dimensão que é sublinhada pela referência ao Deus que "vela" pelo povo, tanto quanto Ele tinha velado pela Sua palavra dada a Jeremias.
A terceira metáfora é de fato uma referência a um provérbio (v. 29) que observa, de uma perspectiva diferente, que os pecados dos pais são visitados sobre os filhos (Êxo. 20:5, Deu. 5:9). Isto não é uma formulação legal, mas uma observação sobre a vida, como as conseqüências de certo comportamento, do pecado, se realizam em gerações sucessivas. A nossa moderna experiência com bebês dependentes de “crack” e comportamento abusivo, para usar apenas dois exemplos, mais do que confirma a verdade do provérbio na vida. Mas aquele modo de pensar é desafiado aqui, pelo menos no que se aplicava à situação do exílio.
É fácil imaginar o desespero que pode ter surgido devido à pregação de Jeremias ao coração. Ele tinha estado proclamando que a destruição da nação era devido aos pecados dos pais e à recusa do povo durante o período de várias gerações de se arrepender realmente e voltar para Deus. Ele tinha até concluído que o povo estava tão acostumado a pecar que eles não só não se modificariam, mas não podiam modificar-se (p. ex., 13:23).
Se acreditassem nele, e eles creriam, depois que a cidade foi destruída, então o desespero viria para mostrar que Jeremias estava certo na avaliação que fizera deles de que eles tinham pouca esperança de tornar-se o Povo de Deus. Mesmo se houvesse futuro, o que poderia impedir de acontecer a mesma coisa novamente? Se as conseqüências dos pecados dos pais, e dos seus próprios pecados, viesse sobre eles no futuro, que esperança eles poderiam ter de serem alguma vez fiéis a Deus naquele futuro? E que diferença faria de qualquer maneira se eles fossem assolados com o ciclo de conseqüências criadas pelos pais e avós?
Jeremias conduziu essa questão simplesmente rejeitando esse provérbio nesta situação (cf. Eze. 18:1-32). Os seus comentários não foram uma tentativa de definir o pecado legalmente ou sistematicamente. Eles são uma afirmação simples que o futuro, o futuro de Deus, será bastante diferente do passado e que a "maldição" das conseqüências do pecado seria quebrada. Sendo que a novidade poderia estar após o final do exílio, seria uma novidade na qual as pessoas seriam responsáveis pela sua própria resposta, não carregada pela preocupação com o legado do pecado a que elas tinham sido entregues. O futuro de fato seria bastante diferente do passado, porque realmente seria algo novo. E eles teriam uma chance genuína de dar uma resposta fiel ao novo futuro de Deus.
A segunda seção da nossa leitura é em resposta a esta dimensão da novidade. Novamente, alguém pode ouvir o povo perguntando: "De que forma isso será novo?" O texto não concede tantas dimensões para aquela pergunta como poderíamos gostar, e teremos de ser cuidadosos para não impor as nossas dúvidas ao texto. Ainda assim, é uma pergunta justa para se fazer.
Jeremias prometeu uma nova Aliança, que de algum modo seria diferente da Aliança que tinha estado em vigor desde o Sinai (vs. 31-32). Aqui temos de lembrar que o conceito de Aliança não era entendido no Velho Testamento em termos legais. Mesmo embora o contexto histórico e cultural do conceito da Aliança fosse mais semelhante ao dos tratados internacionais do antigo Oriente Médio, uma compreensão estritamente legal de tal relação é muito mais arraigada em conceitos que se originaram da lei romana [surgida séculos depois] do que a que está no Velho Testamento e no seu mundo. A Aliança foi um modo metafórico de descrever a relação entre Deus e o povo, quanto à interação mútua. Deus revelou-se ao povo ("Eu serei o seu Deus") e esperou que o povo respondesse àquela revelação com adoração e fidelidade ("vocês serão o Meu Povo").
A quebra da Aliança (v. 32), então, não foi a violação de uma lei que requeria uma penalidade legal, mas foi a perturbação de um relacionamento que precisava de cura e restauração. Aqui em Jeremias, como na maior parte do material no Velho Testamento sob o efeito da perspectiva pós-exilica dos Deuteronomistas, "lei" (na verdade Torah: "instrução") e "Aliança" são usados de modo intercambiável. Isso sugere que o relacionamento com Deus não foi definido em termos de Torah, mas que a Torah foi definida em termos de relacionamento com Deus.
A metáfora do casamento que é introduzida no meio deste provérbio pelo uso do termo ba’al, "marido" (v. 32), confirma que o quadro esboçado aqui é de um relacionamento entre Deus e o povo que estava horrivelmente torto. O povo foi infiel, não respondeu apropriadamente naquele relacionamento. É interessante que Jeremias, bem como Oséias, de onde algumas imagens desta leitura são emprestadas, usasse a metáfora do casamento quase do mesmo modo. Ambos descreveram Israel como uma esposa infiel que valorizava mais a vida da prostituição do que a seu marido (Osé. 1-3, Jer. 3). Isso causou uma mancha na história de Israel, devido ao envolvimento com as religiões de fertilidade dos Canaanitas. Assim, essa comparação com a esposa infiel tornou-se um modo especialmente apropriado de falar sobre a magnitude do pecado de Israel quanto ao relacionamento rompido.
Neste sentido, a velha Aliança acabou, a relação foi destruída. Não pode ser ressuscitada como se nada tivesse acontecido, certamente não pelas pessoas que a tinham destruído. Uma nova Aliança implicaria numa nova forma de relacionamento que se diferenciaria claramente da velha forma de relação. Se o problema foi uma falha na relação e não um problema de violação legal, então o remédio precisaria ser na direção da restauração do relacionamento em vez de consequência legal [aplicação de punição]. Eles não precisavam de outra lei ou de uma lei diferente; eles precisavam de uma mudança no coração que lhes permitiria responder apropriada e fielmente dentro do relacionamento para o qual Deus já os havia chamado, e às instruções que Ele já lhes havia dado para viverem no Mundo como o Seu Povo. A novidade tinha de vir na forma desta mudança do coração, não com mais leis ou melhores leis. [Aqui é assumida a certeza de que a Torah, ou seja, a Lei, dada inicialmente, era correta e sem defeito, assim como o Legislador é perfeito e não cometeu erros que precisassem ser abolidos na cruz (Tia. 4:11-12). Nem Israel precisa ser substituído por outra entidade chamada igreja (Rom. 11:11-24).*]
É quanto a esta relação entre Deus e o povo que a linguagem do coração fica significativa aqui. Tanto no hebraico como no inglês, certas palavras podem representar conceitos mais abrangentes, ou termos e idéias concretos podem representar outras mais abstratas. Como no inglês, é comum no hebraico que partes do corpo representem certas emoções ou sensações, ou aspectos da experiência humana. Deste modo, o nariz pode representar a raiva, o braço direito pode representar a força, e a garganta pode significar a ganância.
Contudo, o termo coração em hebraico tem uma variedade mais ampla de significados metafóricos do que no inglês. No idioma inglês, o coração normalmente refere-se a uma emoção, tal como amor ou compaixão ou até aflição (melancolia). Ele também pode ter aquele significado do hebraico em alguns casos (p. ex., Gên. 6:6). Contudo, ele também frequentemente carrega o significado de vontade ou intenção (p. ex., Gên. 6:5). Deste modo, por exemplo, "para amares ao Senhor teu Deus com todo o teu coração" (Deu. 6:5-9) significa que se deve tomar uma decisão consciente e teimosa de perseguir aquele curso de ação e pô-lo em prática na vida, e não somente ter um sentimento bom e caloroso sobre Deus.

É neste sentido da ação teimosa e intencional que a linguagem do coração está sendo usada nesta passagem. O problema do povo tinha consistido em que eles se tinham acostumado tanto a pecar que já haviam perdido a capacidade de escolher qualquer outro curso de ação. É a este problema que a atenção é dirigida aqui.
Dois aspectos são cruciais para entender este ponto. Em primeiro lugar, como a seção final deste capítulo esclarece, o futuro que é visionado aqui é o futuro histórico (vs. 38-40; observe que esta é a única outra seção a ser introduzida pela frase "eis aí vêm dias", além da nossa leitura neste capítulo). Isto é, não é uma esperança vaga sobre um futuro desconhecido e irreconhecível, mas é lançada na realidade concreta do retorno à terra e da reedificação da cidade de Jerusalém. Para isso acontecer, teria que haver uma ação significativa de Deus que ultrapassasse o fim do presente, algo análogo ao Êxodo, e que ainda fosse além. A repetição do Êxodo não seria suficiente, porque a resposta do povo àquela revelação de Deus não havia produzido o relacionamento ou resposta apropriados. Qualquer futuro que eles tivessem teria de estar fundamentado no Deus que novamente se revela na história, mas dentro do contexto do fim do exílio que tinha sido causado pela rejeição intencional deles a Deus (Jer. 32:36-41).
O segundo aspecto aqui é a forte ênfase no perdão do pecado. Novamente, isso não deve ser visto estritamente como um conceito forense do perdão pela transgressão legal, mas dentro do contexto da relação quebrada no pano de fundo do exílio. É uma vontade de perdoar ofensas por causa da relação, do mesmo modo como José se dispôs a perdoar a traição de seus irmãos por causa do seu amor por eles e por seu pai (Gên. 50:17; cf. Mat. 6:12-15 ou Luc. 15:21-24).
Mas há uma dimensão do perdão de Deus aqui que ultrapassa o que poderíamos esperar das mais modernas, práticas e sistemáticas perspectivas que possamos desenvolver. O perdão que Deus estende aqui não está condicionado a coisa alguma que o povo pudesse fazer. Nenhum arrependimento é requerido, nenhum sacrifício a ser oferecido, nenhuma oração a ser dita, nem mesmo é exigido um reconhecimento a Deus para ser dado em troca como uma condição do perdão. É simplesmente afirmado inequivocamente e incondicionalmente: "perdoarei a sua iniqüidade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados". É este perdão que passa a ser a base do novo conhecimento deles sobre Deus, e que é escrito no coração.
Estas duas dimensões vêm juntas para formar a dinâmica da Nova Aliança. O perdão de Deus seria realizado na realidade concreta de um povo restaurado. E nesse processo, o povo viria a "conhecer ao Senhor". A palavra "conhecer" em hebraico é significativa. Ela representa muito mais que o conhecimento intelectual ou efetivo, e pode incluir a maior intimidade da relação, o conhecimento de outra pessoa que vem para mútuo compromisso e experiência. É neste sentido que a palavra "conhecer" em hebraico pode ser usada até para designar relações sexuais íntimas entre o marido e a esposa (p. ex., Gên. 4:1).
Os israelitas vieram a "conhecer" Deus no Êxodo por causa do que Ele fez (Êxo. 6:6-7). Ainda, eles tinham chegado de alguma forma ao ponto onde eles mais conheciam a Deus (Jer. 4:22, Isa. 1:3). Agora eles enfrentavam o fim da nação que tinha surgido em consequência do Êxodo. E ainda, Deus não os abandonou como Seu povo. Ele tinha prometido que agiria outra vez na sua história para que eles pudessem novamente conhecer a Deus!
Aqui está o novo elemento desta Nova Aliança que ultrapassa a Aliança do Sinai, que se seguiu ao Êxodo. O Êxodo definiu a Deus como um Deus que ouve o clamor de escravos oprimidos, que está disposto a escolher e a criar para Si mesmo um povo e dar-lhe uma missão no Mundo. Mas o retorno do exílio iria até mesmo além. Isso revelaria um Deus que é capaz de ser compassivo e gracioso até com Seu próprio povo que o rejeitara. Ele é o Deus da segunda chance, que está disposto a comprometer-se com este povo apesar do pecado, da rebelião e do egocentrismo deles. Onde a graça e a compaixão pelos escravos oprimidos e a fidelidade às promessas feitas aos pais marcaram o Êxodo, o perdão, incondicional e não-qualificado, é o novo elemento aqui que vai além da relação estabelecida no Êxodo.
É esta revelação de Deus como Aquele que está disposto a dar ao povo uma segunda chance, após o fracasso abismal deles, que se tornaria a base da Nova Aliança. É esta dimensão de Deus que escreverá a lei nos seus corações e os chamará a responder. Aqui há expectativa de que tal clemência e tal graça que oferecem uma segunda chance, mesmo quando não é merecida, resultarão em uma vontade de serem fiéis a Deus. A meta consiste em que o povo estaria disposto e estaria ansioso por seguir a Torah, porque eles terão decidido de coração responder a este Deus de graça e perdão. [Responder, aqui, no sentido de obedecer.]
Naturalmente, há muito mais para ser dito sobre a natureza da sua resposta. Esta não é uma perspectiva antinomista que substitui a necessidade de observar a Torah por um perdão não-qualificado que não está relacionado com as ações. Ainda existem as consequências do pecado. E eles ainda teriam de responder em uma fidelidade que levasse a Torah a sério como a vontade de Deus para a humanidade. Não há nenhum abandono das instruções de Deus aqui, tanto quanto não houve nenhuma tentativa de Jesus em fazer assim (Mat. 5:17) nem por Paulo (Rom. 8:4). O assunto aqui é com o motivo e a intenção do coração que lhes permitiria ser fiéis a Deus pela obediência à Torah.
Esta leitura proclama que Deus agiria na história além do exílio de tal forma que o povo viria novamente a conhecer que Deus é Deus, e no conhecimento seriam capazes mais uma vez de responder a Ele em fidelidade. Aquela ação seria a realidade concreta do regresso à terra e da reedificação da cidade. Aqui está o coração da Nova Aliança, fundada no evento histórico, que ainda se abre na relação com Deus. A Nova Aliança depois do exílio compartilhou este aspecto com a velha Aliança do Sinai que foi quebrada. E ela o compartilharia com o novo evento histórico, ainda posterior, da Encarnação.
Teologicamente, isto é um exemplo do conceito da graça preveniente [graça preventiva] pela qual Deus garante à humanidade uma graça que precede qualquer resposta que eles poderiam dar-Lhe, e de fato os habilita para aquela resposta já que eles perderam a capacidade de responder. A um nível diferente teologicamente, esta leitura estabelece que o perdão de Deus, a vontade de Deus de restaurar uma relação quebrada, não é algo que deve ser buscado ou ganho. Deus já o garante como uma expressão incondicional de quem Ele é como Deus. É incondicional no sentido de que não há nenhum pré-requisito para sua concessão. Contudo, aquele perdão incondicional é só a base da resposta de fidelidade à Torah que se realizará em cada aspecto da vida humana (ver Torah como Santidade: "Lei" como Resposta à Graça Divina). Mas ele começa com Deus, no mesmo ponto da total incapacidade humana. É o que faz desta leitura uma expressão tão poderosa de esperança.

Caminhos da Pregação

É tentador aqui cair em um modelo interpretativo do cumprimento da promessa na pregação e simplesmente saltar para conexões imediatas desta passagem com textos do Novo Testamento que falam de uma Nova Aliança ou que até especificamente usam esta passagem como uma promessa da vinda de Jesus (por exemplo, Heb. 8:6-13). Como observado antes, isto não deve sugerir que aquelas conexões sejam inválidas ou que não podemos seguir a pista da teologia de Jeremias no Novo Testamento. Mas se vamos pregar sermões de Jeremias em vez de, por exemplo, Hebreus, e só usar Jeremias como um prelúdio, temos de ser cuidadosos para não passarmos demasiado rapidamente desta leitura para outra.
Este texto é basicamente sobre Deus e Sua vontade de trabalhar com a humanidade em face da recalcitrância, e até mesmo da pecaminosa rejeição a Ele como Deus. Desta perspectiva, vários Caminhos de Pregação podem abrir-se tendo este tema como centro.
Vemos aqui um retrato de Deus que emerge em maior profundidade e detalhe do que antes no Velho Testamento, um Deus que está desejoso de perdoar quando não há nenhuma outra base para o perdão do que o Seu amor e o Seu próprio desejo de restaurar uma relação quebrada. Muitas vezes, através das tradições bíblicas até este tempo, Deus tinha respondido ao pecado com a Graça. Começando no Jardim do Éden, Deus tinha demonstrado uma vontade de fazer menos do que a sua própria palavra Lhe tinha permitido fazer [quanto a punir os rebeldes]. A escolha da Graça e perdão em vez da punição imediata, se refletiu na pista que o pecado tinha deixado nas histórias bíblicas desde Caim e Abel, do Dilúvio a Abraão, de Moisés a Davi, ao relato do Cronista sobre a conversão de Manassés. As ações de Deus na história tinham sido marcadas por uma vontade de perdoar e mover-se para além do pecado.
Ainda, este caso foi diferente. Foi o próprio povo escolhido de Deus, que Ele tinha criado no mundo para ser Seu povo, que Ele tinha chamado a viver uma vida que refletisse quem Ele era como Deus deles, e eles tinham falhado. Não uma vez, mas através de séculos. Não havia nenhum precedente para ser aplicado nesta ocasião. Então, não havia nenhuma garantia de que Deus ainda seria gracioso e perdoador. Com o relacionamento entre Deus e Seu povo quebrado tão pessimamente, não havia nenhuma razão para acreditar que haveria algo que pudesse restaurá-lo.
E ainda, a natureza de Deus como um Deus que está disposto a não medir esforços para restaurar aquele relacionamento é claramente proclamada aqui. O perdão de Deus é dado simplesmente da perspectiva de começar [do zero] novamente. Não há nenhuma punição que seja suficiente, nenhuma penitência que seja apropriada, nenhum esforço que possa realizar o que Deus ofereceu gratuitamente a este povo. Ainda haverá exílio. As consequências do pecado virão. Mas há um perdão que espera no meio do exílio, que não vem por causa do exílio. Este perdão vem simplesmente porque Deus decidiu oferecê-lo, sem pré-requisitos e sem condição prévia. A escolha de Deus para estes pecadores não é nada mais do que simplesmente dizer: "Eu perdoarei".
E aquele perdão cria novidade nas vidas das pessoas, até haver uma transformação de seus corações. É Jeremias quem tinha proclamado antes quão radical esta novidade pode ser. Por anos ele tinha descrito os pecados do povo na mais vil, às vezes até na linguagem mais vulgar imaginável, comparando-os com uma prostituta que oferece o seu comércio nas ruas. E depois, Jeremias pode mudar e falar do Israel restaurado por Deus como uma virgem (31:4, 21). Esse é o tipo de novidade que Deus traz!
Isto não significa que Deus aprova o pecado, ou que o pecado não é um assunto sério. O pecado realmente traz o exílio. Mas o exílio não é o fim. O pecado e o fracasso não descarrilam os propósitos de Deus de manter um relacionamento com Seu povo. O pecado é destrutivo, mas não está além da capacidade de Deus! Estas pessoas não foram trancadas num futuro fechado por causa do pecado. O pecado não tem a palavra final, porque Deus é Deus!
Há necessidade de cuidarmos, aqui, para não aplicarmos este texto demasiado facilmente ao nosso modo individualista moderno de pensar e supormos que só se aplica diretamente a nós em nível pessoal. Seria fazer mau uso do texto. Mas há certamente algo que aprendemos sobre Deus aqui que sugere, só pela analogia, que Ele é o tipo de Deus que pode e trabalhará de forma semelhante nas vidas das pessoas hoje [Heb. 7:25].
Aprendemos aqui que Deus dá o primeiro passo em direção à reconciliação do Seu povo com Ele. Quando eles não podem fazer o que é necessário para reconstruir um relacionamento despedaçado, Deus o faz para eles. Deus fornece os meios pelos quais as pessoas podem responder-Lhe com a fidelidade. Talvez, então, Ele estivesse falando da impossibilidade de guardar a Lei de Deus [sem Sua ajuda], que é o que Paulo tinha em mente quando escreveu (Rom. 8:3-4):

“Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.” - Almeida Revista e Corrigida, SBB, 1969.

Isto é outra expressão das distâncias que Deus percorreria para reconciliar consigo mesmo uma humanidade teimosa, que não pode fazer nada por si própria para merecer o amor de Deus. E a solução de Deus para realizar a reconciliação na história humana é ser o seu Deus, na expectativa de que a resposta das pessoas também seja construir suas próprias histórias através de corações mudados e de vidas mudadas, permitindo que o perdão as transforme de dentro para fora.
Daqui, não é tão difícil ver que os fundamentos foram colocados para entendermos a expressão posterior da mesma natureza e do caráter de Deus na Encarnação, com as mesmas expectativas. Não temos que abolir o Velho Testamento ou a tradição judaica que se desenvolveu depois do exílio para fazer essa conexão. Só temos de aceitar como cristãos que em Jesus testemunhamos de novo o mesmo Deus trabalhando novamente na história, revelando-se como um Deus que não está disposto a aceitar que alguém pereça, mas que todas as pessoas devem ser reconciliadas com Ele. E já sabemos quão longe Ele foi para assegurar-se de que entendemos que o perdão está disponível para nós.

- Dennis Bratcher, Copyright © 2009, CRI/Voice, Institute
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Bratcher is a PhD from Union Theological Seminary and an ordained Church of the Nazarene pastor.

*Obs.: As explicações entre colchetes foram supridas pelo tradutor.
Traduzido por: César B. Rien. Os textos bíblicos em português foram extraídos da ARA - com referências e algumas variantes, à exceção de Rom. 8:3-4, acima.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A NOVA ALIANÇA É A MESMA DO SINAI RENOVADA

O artigo abaixo é de autoria do Dr. Paulo Severino da Silva Filho, Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Coordenador do Departamento de Teologia Exegética e do Curso de Bacharel em Teologia do Seminário Teológico Presbiteriano Reverendo Ashbel Simonton.

UMA NOVA ALIANÇA
Meditação sobre Jeremias 31.31-34


Rev. Paulo Severino da Silva Filho


INTRODUÇÃO

Celebramos nesta manhã a Ceia do Senhor. Nas palavras de sua instituição, há uma expressão que quero destacar para introduzir nossa reflexão desta hora: “nova aliança”. Segundo o registro de Lucas, Jesus diz sobre o cálice: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós” (Luc. 22.20). Com algumas variações, que não cabe discutir aqui e agora, a expressão aparece em Paulo (1ª Cor. 11.25), e em alguns testemunhos de Mateus e de Marcos também.

A expressão “nova aliança” vem do texto do livro de Jeremias 31.31-34, único lugar em que ela aparece no AT.

A questão que se coloca diante de nós é a seguinte: Em que sentido se fala de “nova aliança”?

Não se trata de nova no sentido de outra, diferente, como uma leitura apressada do texto pode dar a entender. Não há modificação da aliança firmada por Deus com os pais (entendendo-se aqui que o texto se refere à aliança do Sinai, pela mediação de Moisés); ela nem sequer é chamada de antiga. Trata-se da mesma aliança, única, eterna, fruto da iniciativa da Graça de Deus. Não se altera sua base, que é o amor salvador e perdoador de Deus. Nem se altera seu conteúdo: trata-se das mesmas leis, a mesma Torá, expressão da vontade de Deus, que não muda. [Sal. 89:34; Mal. 3:6]

Também não se trata simplesmente de uma transposição da aliança para o âmbito da interioridade. Os termos “entranhas” (que a ARA traduz como “mentes”) e “coração” poderiam nos levar a pensar assim, em algo interior, interno, íntimo, até intimista. Engano: a Aliança de Deus com Seu povo nunca foi uma realidade meramente exterior; ela sempre envolveu o interior do ser humano, sem se limitar a isso. Ela envolve a vida toda das pessoas, tanto atitudes internas quanto ações externas. Ações externas sem atitudes internas correspondentes não fazem o menor sentido na religião bíblica; nunca fizeram. (E ousaria até dizer: não fazem sentido em religião alguma, pois não há como conceber uma religião, qualquer que ela seja, sendo praticada sem sinceridade e seriedade). A espiritualidade e a religião, na Bíblia, dizem respeito sempre à totalidade da existência do ser humano, em todas as suas relações, com Deus e com o próximo.

Então, se não se trata de nova aliança no sentido de outra, diferente daquela do Sinai, e se não se trata de uma interiorização da Aliança, em que sentido se fala de nova aliança? É nova no sentido de renovada. Trata-se de renovação, de novo começo, de nova oportunidade. Um novo começo e uma nova oportunidade que se dão a partir da transformação das pessoas e de sua compreensão da relação com Deus.

Não é Deus quem muda, não é a Aliança que muda, são as pessoas que mudam. No tempo anunciado por Jeremias, nova será a maneira de ver e de viver a Aliança, de compreender e de responder à Aliança com Deus. Como será vista essa Aliança Renovada?

I) RELAÇÃO INDIVIDUAL COM DEUS

A Aliança era até então vista como realidade coletiva, comunitária – com o povo em seu conjunto, ou com parte dele, ou com algum elemento dele que o representasse. Mas agora fala-se que Deus passará a lidar com individualidades. O texto fala de Deus inscrever Suas Leis nas entranhas (sede dos afetos) e nos corações (sede da racionalidade) das pessoas. São os órgãos internos, que caracterizam o indivíduo; e o caracterizam como um todo, por suas emoções e sua inteligência, seus sentimentos e sua razão. O texto fala também de conhecer a Deus; e só indivíduos podem conhecer alguém ou alguma coisa. Fala ainda de perdão de pecados; e, de igual modo, só indivíduos podem pecar e ser perdoados (ou castigados).

Veja os vv. 29-30. Eles falam de responsabilidade individual diante de Deus, a partir da citação de um provérbio (que deve ter sido muito usado em Israel) e sua correção. A idéia aparece mais desenvolvida em Eze. 18 (que começa citando o mesmo provérbio). Ela se constituirá num traço característico do judaísmo e também do cristianismo. Ela nos ensina que, mais do que Deus de um povo, Deus é Deus de pessoas, de indivíduos. É uma verdade que precisa muito ser destacada numa época de tanta atração ainda exercida por pensamentos e práticas totalitários e coletivistas, por mais incrível que pareça.

A nova aliança é relação individual com Deus. Isto nada tem a ver com o individualismo dos tempos que vivemos, tão equivocado e tão danoso ao próprio indivíduo e aos outros; um mal tão terrível quanto o coletivismo. Isto nos mostra quanta dignidade cada um de nós possui; e quanta responsabilidade também. Por isso a Bíblia diz que Deus julgará a cada um de acordo com suas obras. Não que a Salvação seja por obras (é por Graça); mas as obras são o critério do Juízo, porque revelam a opção fundamen-tal de cada um, as intenções do coração e das entranhas, em outras palavras, a fé de cada pessoa, que será individualmente julgada pelo Deus que estabelece Sua Aliança como relação individual com Ele.

II) RELAÇÃO IMEDIATA COM DEUS

A Aliança era mediada por instituições: o sacerdócio, o profetismo, a própria monarquia. Agora, fala-se de um acesso direto, de uma relação imediata com Deus, expressa em termos de conhecimento, e um conhecimento que será dado a todos, pequenos e grandes (v. 34). Conhecimento é palavra muito importante na Bíblia, e com sentido bastante diferente daquele que tem para nós ocidentais e modernos. Mais do que se referir a algo intelectual, teórico, conhecimento tem a ver com experiência pessoal com Deus; de comunhão de vida com Deus; de um acesso direto a Deus, de uma relação pessoal e imediata com Ele, que será possibilitada a todos os que estiverem em Aliança com Deus. Independentemente da mediação de qualquer figura ou instituição.

O cristianismo protestante, muito acertadamente, falará do sacerdócio universal dos crentes – não numa mera inovação sua, mas numa interpretação correta da própria Bíblia, que fala do propósito de Deus de constituir para Si um povo de sacerdotes (cf. Êxo. 19.6; Isa. 61.6). No tempo da nova aliança, cada um pode comparecer diante do Trono da Graça de Deus, para orar por si mesmo ou por outros, pela mediação de Jesus Cristo. Isto não dispensa nem desvaloriza a dimensão comunitária da fé e da espiritualidade, mas ressalta o fato de que é com pessoas individuais que Deus lida. É a pessoas individuais que Deus ama. É a pessoas individuais que Deus quer salvar. É com elas que Deus quer entrar e efetivamente entra em Aliança. Numa relação individual e imediata. E que seja também inquebrável.

III) RELAÇÃO INQUEBRÁVEL COM DEUS

A Aliança, na concepção do texto de Jeremias, podia ser quebrada, anulada pelo povo. (Embora jamais por Deus, sempre fiel a Sua Aliança.) Agora, não. A Aliança será nova porque será inquebrável; não poderá ser desfeita.

Pois envolverá transformação de vidas: novo coração e novo espírito, dados pelo próprio Deus (cf. Jer. 24.7; 32.39; Eze. 11.19-20; 36.26-28). Isto significa que Deus mesmo criará as condições para que a Sua Aliança jamais volte a ser quebrada. É o que o Deuteronômio chama de circuncisão do coração (Deu. 30.6).

A relação com Deus será inquebrável também porque será vivida de dentro para fora: Sua Lei não estará mais inscrita em pedra, ou couro, ou papel, mas em corações e vísceras; não mais será aprendida por ouvir dizer, mas conhecida interiormente, a partir do centro da vida, do coração e das entranhas, das sedes do entendimento e da afetividade. [Considerando-se a afirmação prévia de que as Leis e a Torá são as mesmas.*]

Lembremos Jer. 32.40, em que um interessante elemento novo é acrescentado, no mesmo contexto de uma nova aliança, aqui chamada eterna: o temor de Deus. Este elemento, que os livros sapienciais bíblicos chamam de o princípio da sabedoria, sintetiza a atitude correta diante de Deus, sem a qual é impossível qualquer relacionamento com Ele. A Aliança Renovada por Deus será eterna, inquebrável, também por isso, porque de coração cada participante dela terá por Deus o devido respeito e reverência.

CONCLUSÃO

Os dias anunciados por Jeremias, dias de chegada de uma nova aliança, são dias como nunca houve. A propósito, a expressão “eis aí vêm dias” também é única em sua forma na Bíblia.

Tais dias são os últimos dias. Dias muito esperados, da intervenção final e definitiva de Deus na história humana.

Tais dias começaram com Jesus Cristo, cujo natal comemoramos há pouco, e em cuja morte na cruz vimos a expressão máxima do Amor de Deus por nós e a firmação dessa nova aliança anunciada por Jeremias. (Recordemos mais uma vez as palavras da instituição da eucaristia segundo Lucas: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós”.) Por Jesus, entramos numa nova relação com Deus, individual, imediata, inquebrável.

O que era objeto de anúncio, de expectativa, de promessa, agora é realidade.

É tempo de celebrar a nova aliança, em torno da mesa do Senhor, e de vivê-la todos os dias e em todas as circunstâncias. Que Deus nos abençoe e ajude a fazer assim.


Rev. Dr. Paulo Severino
*O autor é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, professor do Seminário Simonton, onde exerce as funções de Coordenador do Departamento de Teologia Exegética e do Curso de Bacharel em Teologia, e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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* O comentário entre colchetes foi acrescentado pelo administrador do blog Aliança Renovada.